5.9.11

Um Estudo de Caso: a Expo-98

Por Maria Filomena Mónica

QUEREM SABER os motivos que nos levaram ao actual precipício? Recordando um método que me foi ensinado no curso de Sociologia, tentarei responder através de um «estudo de caso». Eis como este funciona: pega-se num acontecimento, tido como exemplar, e analisamo-lo em profundidade. A recente notícia, veiculada pela Ministra Assunção Cristas, no sentido de que o chamado Parque-Expo iria ser extinto, fez-me recuar ao século passado, concretamente a 1998, quando o país andou a deitar foguetes, enquanto eu, macambúzia, desconfiava que a coisa iria terminar mal.

Passaram-se treze anos. Nunca mais pensei na parola comemoração. Desconhecia até que existia um grupo empresarial, intitulado Parque-Expo, com orçamento próprio, 170 funcionários efectivos e um presidente que, no ano passado, auferiu uma remuneração-base de 9.025 euros por mês. A sua missão era contribuir para o planeamento e regeneração urbanas. Tendo em conta o estado das nossas cidades, concluo que nada fizeram.

Lembremos os factos. A Parque-Expo nasceu em 1993 para montar a Expo-98, um «evento» que os responsáveis nos garantiram que se pagaria a si próprio. A marina – que virou pântano – o Pavilhão de Portugal – que se transformou num fantasma – e as habitações - cada vez mais juntinhas - gerariam lucros fenomenais. Tudo se faria, explicaram-nos, sem ir ao nosso bolso. Mas não foi isso que aconteceu. No dia em que me desloquei à Expo, vi uns cartazes com os seguintes dizeres: «Depois de 98, a Expo continua». Em Portugal, é perigoso criar uma instituição, visto que, uma vez formada, a sua dissolução é impossível.

Para além do objectivo circense, a Expo tinha ambições. Nos locais onde haviam existido refinarias e armazéns, no Poço do Bispo, em Braço de Prata e em Cabo Ruivo, erguer-se-ia uma Nova Cidade. O gabinete do arquitecto Vassalo Rosa desenhou os prédios, hotéis, centros comercias, hospitais e escolas, que ocupariam os 98 hectares da feira, mais os 350 destinados a ser urbanizados. Quando os gestores se aperceberam de que o défice da Exposição iria ser mais elevado do que o previsto, a tentação para se construir em altura e para os espaços-verdes ficarem subalternizados começou a fazer-se sentir. No dia em que fechou as portas, a dívida da empresa à banca era de 1,3 mil milhões de euros; hoje, o empreendimento ainda deve 185 milhões de euros. Por favor, não me venham falar do valor dos «activos». Enquanto a empresa não for ao mercado verificar se há compradores e qual o preço por que querem adquirir os ditos, o resto é conversa.

É verdade que se construíram infra-estruturas – estações de caminho de ferro, estradas e pontes – mas tudo isto poderia ter sido realizado sem fogo de artifício. A Ministra Assunção Cristas teve a coragem de pôr fim à Parque-Expo, o que não impedirá que tenhamos de pagar a feira popular que, ali para o lado de Xabregas, Cavaco Silva e António Guterres montaram. Moral da história: não há feiras grátis.

«Expresso» de 3 Set 11

Etiquetas:

3 Comments:

Blogger António Viriato said...

Convém não exagerar. A ideia da Exposição não foi errada : assinalou um feito grande da nossa História e da História do Mundo, ao mesmo tempo que permitiu recuperar uma vasta zona da cidade abandonada ao lixo, ao entulho e à degradação urbana.

Que depois o Projecto tivesse degenerado, culpa é dos que poderiam e deveriam tê-lo evitado.

A cada um, a sua responsabilidade, diria um moderado marxista, se tal espécie existiu.

Para quê arrasar tudo, à maneira do eternamente azedo Vasco Pulido Valente ?

Que imagem de si MFM perseguirá ?

5 de setembro de 2011 às 22:50  
Blogger Eduardo Ramos said...

... e ainda não se falou do que se gastou no euro 2004 em estádios e outras coisas... ;)

6 de setembro de 2011 às 12:41  
Blogger Sara Raposo said...

Julgo que o leitor anterior apresenta uma boa sugestão: a construção dos estádios - que as autarquias se endividam (era interessante divulgar os números) para poder manter - foi promovida pelo saudoso Sócrates que, naturalmente, agora não tem nada a ver com isso. Este será, doutora Filomena Mónica, outro excelente exemplo para um estudo de caso.

A euforia da Expo passou depressa, as dívidas não. Ainda me lembro de um patético episódio: o aluguer de enormes barcos (destinados a cruzeiros) que depois, se descobriu, não eram utilizados e cujo preço era uma pequena fortuna. Mas como sempre ninguém foi responsabilizado e o endividamento, depois disso, lá continuou anos a fio.

Assim, para que alguns tenham tido a possibilidade de jogar, de forma imoral, dinheiro dos contribuintes pela janela, há outros que têm os salários congelados e sofrem as agruras da crise, como se os responsáveis pelas decisões que lesaram gravemente os cofres do Estado não tivessem nome ou não existissem. E se fosse o contribuinte pelintra a não pagar um qualquer imposto? Também seria assim tratado?

É o Vasco Pulido Valente que tem razão, há anos que escreve sobre o que agora está a acontecer. Muitas pessoas mentem e não querem ver, é natural, há quem beneficie (e muito) com a falta de vergonha e de ética.

Cumprimentos.

6 de setembro de 2011 às 23:51  

Enviar um comentário

<< Home