Resistir é combater
Por Baptista-Bastos
DE VEZ EM QUANDO regresso aos poetas. Há tempos revisitei Pedro Tamen, cuja ironia dissimula a dor, "a dor que deveras sente", e esse impulso cego de uma procura muito próxima do desespero português. Agora, Estar é um daqueles livros onde a metáfora convoca para a esperança com reservas. E nos faz pensar na impossibilidade das possibilidades mais evidentes. Em Portugal, tudo é relativo e ambíguo. Tudo é adiado, e o que o não é transforma-se num atabalhoamento. Como o que se verifica agora. Não se sabe para aonde caminhamos, se é que caminhamos para um aonde.
"Que Portugal se espera em Portugal?", perguntava outro maior, Jorge de Sena, cujo discurso, pronunciado na Guarda, em 1977, por ocasião do 10 de Junho, deveria ser leitura, não direi obrigatória (detesto este tipo de obrigações), mas sim incentivada por quem sabe do mundo e das coisas. O texto de Sena era premonitório. E ele leu-o com a veemência própria de quem conhece as flebilidades da pátria. Falámos um pouco, nessa oportunidade. Sena não acreditava no liberalismo, que começava a ter os seus propagandistas a soldo. Dizia: o liberalismo pode permitir e até incentivar a produção; mas não reparte nem o trabalho nem os rendimentos. O aviso era claro. Mas o País vivia, ainda, a euforia da queda do fascismo, e não pensava nessas minudências.
Eu próprio, confesso-o, achava que o meu amigo exagerava na dose. Ignorava o que Sena preconizava, por conhecimento e estudo: faltava, a esses novos donos do mundo, transcendência, cultura e humanidade. A Escola de Chicago retomava uma influência nefasta, com dois Nobel, Milton Friedman e George Stigler, a defender a competitividade como norma e a solidariedade como excepção. Se relermos o admirável texto de Jorge de Sena notamos que não perdeu actualidade.
Mas o pior não é, somente, o facto de estes novos senhores lerem pouco e mal. O pior, realmente, consiste em que eles ignoram os limites das suas competências e fizeram recuar os princípios mais elementares da decência e da dignidade humanas.
Quatro em cinco portugueses (li, há dias) sofrem de problemas mentais, em maior ou menor expoente de gravidade. O desemprego, a doença, as pressões sociais, a ameaça da destruição da assistência, da saúde, da educação pública são assinalados como promotores desta desgraça, que não pára de se acentuar.
Agora, Estar, dizia Pedro Tamen. Afinal, estar é uma maneira de resistir. E sabe-se que resistir é uma forma de combater. Mas não há combate sem sofrimento. Claro que existe um projecto de destruição do chamado "velho mundo" [Alain Badiou], mantendo a aparência de democracia, cujos mecanismos só subsistem na superfície. A razão do Estado económico é antagonista da razão ética do Estado. Precisamos de ter este aviso sempre em conta.
«DN» de 12 Out 11DE VEZ EM QUANDO regresso aos poetas. Há tempos revisitei Pedro Tamen, cuja ironia dissimula a dor, "a dor que deveras sente", e esse impulso cego de uma procura muito próxima do desespero português. Agora, Estar é um daqueles livros onde a metáfora convoca para a esperança com reservas. E nos faz pensar na impossibilidade das possibilidades mais evidentes. Em Portugal, tudo é relativo e ambíguo. Tudo é adiado, e o que o não é transforma-se num atabalhoamento. Como o que se verifica agora. Não se sabe para aonde caminhamos, se é que caminhamos para um aonde.
"Que Portugal se espera em Portugal?", perguntava outro maior, Jorge de Sena, cujo discurso, pronunciado na Guarda, em 1977, por ocasião do 10 de Junho, deveria ser leitura, não direi obrigatória (detesto este tipo de obrigações), mas sim incentivada por quem sabe do mundo e das coisas. O texto de Sena era premonitório. E ele leu-o com a veemência própria de quem conhece as flebilidades da pátria. Falámos um pouco, nessa oportunidade. Sena não acreditava no liberalismo, que começava a ter os seus propagandistas a soldo. Dizia: o liberalismo pode permitir e até incentivar a produção; mas não reparte nem o trabalho nem os rendimentos. O aviso era claro. Mas o País vivia, ainda, a euforia da queda do fascismo, e não pensava nessas minudências.
Eu próprio, confesso-o, achava que o meu amigo exagerava na dose. Ignorava o que Sena preconizava, por conhecimento e estudo: faltava, a esses novos donos do mundo, transcendência, cultura e humanidade. A Escola de Chicago retomava uma influência nefasta, com dois Nobel, Milton Friedman e George Stigler, a defender a competitividade como norma e a solidariedade como excepção. Se relermos o admirável texto de Jorge de Sena notamos que não perdeu actualidade.
Mas o pior não é, somente, o facto de estes novos senhores lerem pouco e mal. O pior, realmente, consiste em que eles ignoram os limites das suas competências e fizeram recuar os princípios mais elementares da decência e da dignidade humanas.
Quatro em cinco portugueses (li, há dias) sofrem de problemas mentais, em maior ou menor expoente de gravidade. O desemprego, a doença, as pressões sociais, a ameaça da destruição da assistência, da saúde, da educação pública são assinalados como promotores desta desgraça, que não pára de se acentuar.
Agora, Estar, dizia Pedro Tamen. Afinal, estar é uma maneira de resistir. E sabe-se que resistir é uma forma de combater. Mas não há combate sem sofrimento. Claro que existe um projecto de destruição do chamado "velho mundo" [Alain Badiou], mantendo a aparência de democracia, cujos mecanismos só subsistem na superfície. A razão do Estado económico é antagonista da razão ética do Estado. Precisamos de ter este aviso sempre em conta.
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