21.12.11

A mentira e o desprezo

Por Baptista-Bastos

PARECE que há excesso de portugueses em Portugal. Para remediar tão desgraçada contrariedade, o Governo decidiu minguar-nos tomando decisões definitivas. Há semanas, um secretário de Estado estimulou a emigração de estudantes. Há dias, o primeiro-ministro alvitrou que os professores desempregados ou com dificuldade em empregar-se deviam encaminhar-se para os países lusófonos, nos quais encontrariam a felicidade que lhes era negada na pátria. O dr. Telmo Correia, sempre inteligente e talentoso, elogiou, na SIC-Notícias, a sabedoria cristã de tão arguta ideia.

Acontece um porém: e os velhos? Que fazer dos velhos que enchem os jardins e a paciência de quem governa? Os velhos não servem para nada, nem sequer para mandar embora, não produzem a não ser chatices, e apenas valem para compor o poema do O'Neill, e só no poema do O'Neill eles saltam para o colo das pessoas. Os velhos arrastam-se pelas ruas, melancólicos, incómodos e inúteis, sentam--se a apanhar o sol; que fazer deles?

Talvez não fosse má ideia o Governo, este Governo embaraçado com a existência de tantos portugueses, e estorvado com a persistência dos velhos em continuar vivos, resolver oferecer-lhes uns comprimidos infalíveis, exactos e letais. Nada que a História não tivesse já feito. Os celtas atiravam os velhos dos penhascos e seguiam em frente, sem remorsos nem pesares.

Mas há outro problema. A fome. A fome que alastra como endemia, toca a quase todos, abate-se nos velhos e, agora, nos miúdos. Os miúdos das escolas chegam às aulas com as barrigas vazias: pais desempregados, famílias desgarradas, "a infância, ah!, a infância é um lugar de sofrimento, o mais secreto sítio para a solidão", disse-o Ruy Belo; e as escolas já não têm o que lhes dar. As cantinas reabrem, mesmo durante as férias, e sempre se arranja uma carcaça, um leite morno, nada mais, oferecidos por quem dá o pouco que não tem.

Vêm aí mais fome, mais miséria, mais desespero, mais assaltos, mais violência, mais velhos desamparados, mais miúdos espantados com tudo o que lhes acontece e não devia acontecer. Mais desemprego, num movimento cumulativo, mecânico a automático, como nos querem fazer crer. Diz o Governo. Como se esta realidade fosse natural; como se a semântica moderna da sociedade explicasse a amoralidade da eliminação da justiça e a inevitabilidade do que sucede.

«DN» de 21 Dez 11

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2 Comments:

Blogger José Batista said...

Não dê sugestões, caro Baptista Bastos. Não dê.
Vá antes insistindo no que lhe pareçam ser as soluções.
Sempre e sempre.

21 de dezembro de 2011 às 18:47  
Blogger Unknown said...

O povo diz que onde mija um português mijam logo dois ou três.

Parece que no que diz respeito a dizer merda se pode aplicar o mesmo princípio.

Estou sem paciência para adornar a raiva que sinto por pessoas sebosas cuja principal habilitação é falar com a entoação e dicção corretas sem qualquer preocupação com a verdade das suas palavras e ainda menos com os sentimentos daqueles que as ouvem.

Senhores políticos da esfera deste governo:
Emigrem vocês. Vão para bem longe.

Vão para o caralho que vos foda, seus incompetentes e derrotistas de merda.

Que comecem a chover autocarros e vos caiam todos em cima dos cornos.

Aos senhores deste prezado espaço, peço perdão pela linguagem, mas se não posso praguejar quando me querem despejar do meu país não sei quando poderei.

Cumprimentos.
Até qualquer dia.

21 de dezembro de 2011 às 18:51  

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