Cesária Évora não morreu
Por Ferreira Fernandes
NÃO MORREU Cesária Évora. Os nossos filhos partem, não morrem.
Um dia, muito lá atrás, algum português partiu e levou saudades, chegou a São Vicente. Muito depois já tinha sodades, estava em Sanvicente e um bocadinho dele chamava-se Cesária, miss perfumado e de pés descalços.
Portugal cumpria-se. Exactamente onde devia, num porto que mais porto não podia ser, Mindelo, cruzamento, canal e ilha em frente, restos de barcos cansados na praia. Mindelo, a do cais dos fugidos à seca que iam para São Tomé, outra vez partindo, outra vez levando saudades.
Às vezes, nos anos 50, o saxofone de Luís Morais vinha para o cais chorar uma morna, enquanto o barco rasgava o mar entre São Vicente, piquinino, e Santo Antão. Muitos anos depois, Cesária cantava a esses flagelados do vento Leste: "Quem mostra' bo ess caminho longe? Ess caminho pa São Tomé..." Era crioulo, tão longe do meu linguajar comum como uma cantiga de amigo, mas tão fundamente meu.
Um dia, numa estrada, o rádio do meu carro pôs-se a falar da minha terra, "Angola, Angola", repetia Cesária e "ess convivência dess nhôs vivência, paciência dum consequência, resistência dum estravagância", palavras que algum sentido teriam pelas lágrimas que me corriam.
Não morreu Cesária Évora, haverá sempre mar, mansinho, com lua cheia lumiam caminho. La na céu bô ê um estrela.
«DN» de 18 Dez 11
NÃO MORREU Cesária Évora. Os nossos filhos partem, não morrem.
Um dia, muito lá atrás, algum português partiu e levou saudades, chegou a São Vicente. Muito depois já tinha sodades, estava em Sanvicente e um bocadinho dele chamava-se Cesária, miss perfumado e de pés descalços.
Portugal cumpria-se. Exactamente onde devia, num porto que mais porto não podia ser, Mindelo, cruzamento, canal e ilha em frente, restos de barcos cansados na praia. Mindelo, a do cais dos fugidos à seca que iam para São Tomé, outra vez partindo, outra vez levando saudades.
Às vezes, nos anos 50, o saxofone de Luís Morais vinha para o cais chorar uma morna, enquanto o barco rasgava o mar entre São Vicente, piquinino, e Santo Antão. Muitos anos depois, Cesária cantava a esses flagelados do vento Leste: "Quem mostra' bo ess caminho longe? Ess caminho pa São Tomé..." Era crioulo, tão longe do meu linguajar comum como uma cantiga de amigo, mas tão fundamente meu.
Um dia, numa estrada, o rádio do meu carro pôs-se a falar da minha terra, "Angola, Angola", repetia Cesária e "ess convivência dess nhôs vivência, paciência dum consequência, resistência dum estravagância", palavras que algum sentido teriam pelas lágrimas que me corriam.
Não morreu Cesária Évora, haverá sempre mar, mansinho, com lua cheia lumiam caminho. La na céu bô ê um estrela.
«DN» de 18 Dez 11
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