Pai Natal? Nada
Por Antunes Ferreira
TUDO começara com a campainha. Pois, com a campainha, da porta da casa do Pai Natal. Em Rovaniemi, Lapónia de Cima, Finlândia ainda mais de cima, a uns escassos quilómetros do Círculo Polar Árctico. A dona da casa tinha ido a Helsínquia para comprar o peru, pequeno, umas costeletas da pá de rena (à socapa, não fora Rodolfo e as outras saberem), e um corta-unhas made in China, pequeno também e baratucho, solicitação do seu digníssimo esposo.
A crise tinha chegado a toda a parte, incluindo a Madeira, ainda que o AJJ dissesse que se estava nas tintas para ela, outros que a pagassem, de preferência os contenentais. Por que bulas não pousaria também em Rovaniemi? Aterrou, acolitada pela austeridade. As coisas iam de mal a pior. A União Sindical de Gnomos e Duendes da Finlândia achava-se em efervescência, podia lá ser, despedimentos na Casa do Pai Natal? E sem indemnizações?
Pois estava claro, era a jigajoga dos recibos verdes, parecia até que o acontecido se teria verificado naquele País sulista e despesista e a pedir esmola, Portugal, com o qual já tinha havido uma troca de mimos electrónicos. Mas, não. Era em Rovaniemi, numa Suomen tasavalta(*) solidamente coligada, com o pääministeri (**) Jyrki Katainen, o presidente do Partido da Coligação Nacional, à frente, nada de mãos largas, já bastam os gastadores com os euros alheios.
Fora, realmente, a campainha. Mauno, o gnomo-chefe, atendera. Era uma jovem – e que jovem – numa campanha de promoção de packages de transmissões, chamadas totalmente grátis, telev…, obrigado, já temos, e além disso… E a jovem, peço-lhe desculpa, mas poderia falar com o patrão? Eu sou um simples ajudante dele, mas o Joulupukki (***) está muito ocupado, compreende, é a época e os quefazeres são mais que muitos.
Poderia, pelo menos, entregar-lhe este meu cartão de visita, kiitos (****), eu espero. Com certeza. E foi entregá-lo ao preocupadíssimo cavalheiro, ainda sem o casacão vermelho, de suspensórios, que se passa?, é uma menina que insiste em falar consigo, este é o cartão dela Katryna Katainen, oh, oh, oh, deve ser alguma coisa ao nosso primeiro, manda-a entrar.
Ora como está, minha querida menina? Os olhos por baixo das sobrancelhas fartas e brancas (*****), luziram-lhe perante a figura torneadíssima que entrava no seu gabinete. Que se lixasse a crise! Coisas dessas, harmoniosa e magnificamente distribuídas, centímetro a centímetro, não nos entram pela porta todos os dias, bem pelo contrário. E o apelido? Sou, sim senhor, sou prima direita do Jyrki, somos unha com carne (o ancião, libidinoso, para ele próprio, e que carne…) Mauno, por favor, fecha a porta.
Entretanto, a Dona Frígida Natal apanhara uma excelente constipação em Helsínquia, a loja do chinês estava mais frígida do que ela própria, quiçá uma corrente de ar, brônquios mais apanhados do que raposa do Árctico em armadilha, só lá para 24, quiçá 25, se levantaria.
A disponibilidade do anfitrião era total; por singular acaso, e reciprocamente a da miúda tal e qual. Mauno, vai buscar uma garrafa de Veuve Clicquot, uns salgadinhos, um caviarzito, umas tapitas de lagosta, suado já estou eu, olha lá, pensando bem, outra de Moët, e flûtes. E depois, fecha a porta. Não atendo telefonemas. Se for a Senhora, eu depois falo-lhe, estou num plenário, com os gnomos que restam, a ver se não chegamos ao Hallitus Sosiaalinen Vuoropuhelu (******). Do qual nunca sai nada.
Chegara o 24. Dona Frígida recuperava na casa da mana em Helsínquia. E o solícito marido – porta fechada a sete chaves. Mauno fora buscar o trenó à oficina, vinha um brinquinho, até o relógio digital estava na hora, o computador de bordo nos trinques, não havia vírus que nele entrasse, muito mais seguro do que o Portal das Finanças, nem uma frincha convidativa aos hackers.
Os brinquedos e outras prendas en su punto. As renas abastecidas e oleadas. Tudo nos conformes, o GPS sem dúvidas metafísicas, muito menos geográficas. Porém, do Pai Natal, nem pó. Porta encerradíssima, pior do que caixa forte de Banco suíço, apenas aberta por momentos, necessidades são necessidades, aqui, na Lapónia ou na Moita.
Foi então que soou a campainha desta feita no toutiço do Mauno. Malta, carreguem o trenó, apaguem as luzes de estacionamento, vamos arrancar. Rodolfo, nada de aterragens malucas, para ninguém se magoar. Em Lisboa, ainda mais, os passeios estão cheios de cagalhotas de cão. Olha lá, ó Mauno: e o patrão? Desta vez, ele não vai. Está muito ocupado. Ou seja, motivos imperiosos.
Glossário
(*) República da Finlândia
(**) Primeiro-ministro
(***) Pai Natal
(****) Obrigado
(*****) Qualquer semelhança com alguém é pura coincidência
(******) Conselho de Concertação Social
TUDO começara com a campainha. Pois, com a campainha, da porta da casa do Pai Natal. Em Rovaniemi, Lapónia de Cima, Finlândia ainda mais de cima, a uns escassos quilómetros do Círculo Polar Árctico. A dona da casa tinha ido a Helsínquia para comprar o peru, pequeno, umas costeletas da pá de rena (à socapa, não fora Rodolfo e as outras saberem), e um corta-unhas made in China, pequeno também e baratucho, solicitação do seu digníssimo esposo.
A crise tinha chegado a toda a parte, incluindo a Madeira, ainda que o AJJ dissesse que se estava nas tintas para ela, outros que a pagassem, de preferência os contenentais. Por que bulas não pousaria também em Rovaniemi? Aterrou, acolitada pela austeridade. As coisas iam de mal a pior. A União Sindical de Gnomos e Duendes da Finlândia achava-se em efervescência, podia lá ser, despedimentos na Casa do Pai Natal? E sem indemnizações?
Pois estava claro, era a jigajoga dos recibos verdes, parecia até que o acontecido se teria verificado naquele País sulista e despesista e a pedir esmola, Portugal, com o qual já tinha havido uma troca de mimos electrónicos. Mas, não. Era em Rovaniemi, numa Suomen tasavalta(*) solidamente coligada, com o pääministeri (**) Jyrki Katainen, o presidente do Partido da Coligação Nacional, à frente, nada de mãos largas, já bastam os gastadores com os euros alheios.
Fora, realmente, a campainha. Mauno, o gnomo-chefe, atendera. Era uma jovem – e que jovem – numa campanha de promoção de packages de transmissões, chamadas totalmente grátis, telev…, obrigado, já temos, e além disso… E a jovem, peço-lhe desculpa, mas poderia falar com o patrão? Eu sou um simples ajudante dele, mas o Joulupukki (***) está muito ocupado, compreende, é a época e os quefazeres são mais que muitos.
Poderia, pelo menos, entregar-lhe este meu cartão de visita, kiitos (****), eu espero. Com certeza. E foi entregá-lo ao preocupadíssimo cavalheiro, ainda sem o casacão vermelho, de suspensórios, que se passa?, é uma menina que insiste em falar consigo, este é o cartão dela Katryna Katainen, oh, oh, oh, deve ser alguma coisa ao nosso primeiro, manda-a entrar.
Ora como está, minha querida menina? Os olhos por baixo das sobrancelhas fartas e brancas (*****), luziram-lhe perante a figura torneadíssima que entrava no seu gabinete. Que se lixasse a crise! Coisas dessas, harmoniosa e magnificamente distribuídas, centímetro a centímetro, não nos entram pela porta todos os dias, bem pelo contrário. E o apelido? Sou, sim senhor, sou prima direita do Jyrki, somos unha com carne (o ancião, libidinoso, para ele próprio, e que carne…) Mauno, por favor, fecha a porta.
Entretanto, a Dona Frígida Natal apanhara uma excelente constipação em Helsínquia, a loja do chinês estava mais frígida do que ela própria, quiçá uma corrente de ar, brônquios mais apanhados do que raposa do Árctico em armadilha, só lá para 24, quiçá 25, se levantaria.
A disponibilidade do anfitrião era total; por singular acaso, e reciprocamente a da miúda tal e qual. Mauno, vai buscar uma garrafa de Veuve Clicquot, uns salgadinhos, um caviarzito, umas tapitas de lagosta, suado já estou eu, olha lá, pensando bem, outra de Moët, e flûtes. E depois, fecha a porta. Não atendo telefonemas. Se for a Senhora, eu depois falo-lhe, estou num plenário, com os gnomos que restam, a ver se não chegamos ao Hallitus Sosiaalinen Vuoropuhelu (******). Do qual nunca sai nada.
Chegara o 24. Dona Frígida recuperava na casa da mana em Helsínquia. E o solícito marido – porta fechada a sete chaves. Mauno fora buscar o trenó à oficina, vinha um brinquinho, até o relógio digital estava na hora, o computador de bordo nos trinques, não havia vírus que nele entrasse, muito mais seguro do que o Portal das Finanças, nem uma frincha convidativa aos hackers.
Os brinquedos e outras prendas en su punto. As renas abastecidas e oleadas. Tudo nos conformes, o GPS sem dúvidas metafísicas, muito menos geográficas. Porém, do Pai Natal, nem pó. Porta encerradíssima, pior do que caixa forte de Banco suíço, apenas aberta por momentos, necessidades são necessidades, aqui, na Lapónia ou na Moita.
Foi então que soou a campainha desta feita no toutiço do Mauno. Malta, carreguem o trenó, apaguem as luzes de estacionamento, vamos arrancar. Rodolfo, nada de aterragens malucas, para ninguém se magoar. Em Lisboa, ainda mais, os passeios estão cheios de cagalhotas de cão. Olha lá, ó Mauno: e o patrão? Desta vez, ele não vai. Está muito ocupado. Ou seja, motivos imperiosos.
Glossário
(*) República da Finlândia
(**) Primeiro-ministro
(***) Pai Natal
(****) Obrigado
(*****) Qualquer semelhança com alguém é pura coincidência
(******) Conselho de Concertação Social
Etiquetas: AF
4 Comments:
Delirante.
Caro João Soares,
Retibuo os votos, com amizade e
um abraço!
A.F.
Tu não tens febre, nem nada? Isto são coisas que se digam do Pai Natal?
Por acaso, já me tinham chegado uns zunzunzs maldosos, acerca disto, numas revistas da cabeleireira mas, não liguei.
Leste as revistas ou, isto é mesmo verdade?
Maria
Repito o que escrevi na sua Travessa: você tem uma imaginação mais que fértil, é fertilíssima! Cá em casa somos quatro e todos nos rimos com esta maravilhosa história do casal Natal e de pequena.
Não lhe dou novidade nenhuma, porque sigo o que outros disseram: um livro com as suas crónicas será um êxito! Eu, pelo menos, garanto-lhe uns exemplares. Agora, pelo Natal teria saída. Mas, o que passou, passou. Pense nisso.
Enviar um comentário
<< Home