23.1.12

A caminho do desastre eles riam

Por Ferreira Fernandes

ONTEM, num bom programa de rádio, ouvi citar uma frase do humorista Millôr Fernandes: "Toda a alegria já vem embrulhada numa tristezinha de papel fino." Millôr é um poeta das piadas, nunca gargalha, ri mansinho e fundo.
Ainda ontem, mais tarde, empurrado pelo jornal espanhol El País, cheguei a um jornal eletrónico de economia e política americanas, The Daily Stag Hunt, que leu as atas das reuniões de quem manda nas economias ocidentais, a Comissão de Mercado Aberto da Reserva Federal (FOMC, na sigla americana). O estudo vai do começo do milénio ao fim de 2006, os anos em que cresceu a borbulha imobiliária, os empréstimos disparatados que levaram, em 2007, ao começo da Grande Depressão que vivemos. Mas o Daily Stag Hunt não fez mais uma análise económico-financeira (ou, se calhar, fez, mas desta vez a sério): dedicou-se a contar as gargalhadas nas reuniões do FOMC. Fez gráfico disso e mostrou que a média das gargalhadas foi, em 2001, de 16,5 por reunião, e depois foi crescendo, crescendo como a bolha que nos perderia, até chegar a um pico de 65 gargalhadas na sessão de outubro de 2006 (que coincidiu também com o pico dos preços das casas - a partir daí, foi o descalabro).
Quer dizer, os economistas são como todos nós, capazes de ver que um navio que vai a caminho de um iceberg não naufragou. Mas para adivinhar para lá da neblina é preciso um Millôr, um sábio da vida.
«DN» de 23 Jan 12

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