14.2.12

Limiares

Por João Paulo Guerra

QUANDO ouço ou leio a expressão “no limiar da pobreza” ocorre-me José Sócrates, empossado de fresco como primeiro-ministro, a enumerar os malefícios da governação anterior e a elencar as suas promessas.

Acontece que Sócrates se enredou naquele momento, em directo, tanto ou mais com a explicação da formulação "no limiar da pobreza" como António Guterres se embrulhara com a operação de aritmética para encontrar três por cento do PIB. O que é certo é que com dois governos de Sócrates e menos de um ano de governo PSD/CDS/Troika a percentagem de portugueses no limiar da pobreza aumentou de 18 para mais de 25 por cento. E pelo andar da carruagem, o mais certo é que cada vez mais portugueses ultrapassem o limiar, passem a soleira e entrem na pobreza, se instalem na penúria, vegetem na indigência, em número suficiente para fazer e sustentar um número sempre mais concentrado de muito ricos.

E assim lá vai Portugal de caminho para a sua "vocação da pobreza", como defendia o gato de Botas para os esparvoados ratinhos, domesticados pela Censura e a PIDE. Falta aos portugueses "o romantismo cívico da agressão". Isto é, "somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados", como dizia Miguel Torga e um amigo me recordou recentemente. Ou seja, os portugueses não são gregos. Embora indignado, o povo não passa da indignação às vias de facto, a não ser em rixas de vizinhos por questão de propriedade.

Mas claro que nem sempre foi nem será assim. Houve um dia, em 1383, que o povo de Lisboa acorreu ao Mestre. E houve um ano inteiro, 1832/33, que os liberais resistiram aos Miguelistas no cerco do Porto. Será por estas e outras que a História, a Filosofia e a Educação Cívica andam na permanente corda bamba dos programas escolares. Para que nada passe do limiar das ideias e das palavras.
«DE» de 14 Fev 12

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