14.7.12

Os Barões do Regime

Por Maria Filomena Mónica

NA ÚLTIMA crónica falei dos ricos que ganharam as suas fortunas às claras, mas outros há, como Rui Pedro Soares, Duarte Lima, Armando Vara, Dias Loureiro, Oliveira e Costa e Isaltino Morais, sobre quem recaem suspeitas de corrupção ou outras formas de enriquecimento ilícito. Temos ainda o exército de indivíduos, metidos em casos como o Freeport, o Magalhães e a Parque Escolar, sobre o qual se abateu uma misteriosa penumbra. Isto para não falar de um tal Domingos Névoa que levou muita gente a concluir que o melhor é jamais denunciar indivíduos corruptos.
Há zonas ainda mais cinzentas. Pode o dinheiro acumulado ter de ilegal, o que não quer dizer que a forma como se montaram certos negócios seja moral. Basta pensar nas PPP, que levaram a que encargos exorbitantes recaiam sobre contribuintes inocentes – como eu, os meus filhos e os meus netos - para se perceber o fundamento do ressentimento popular. Não só muitos presumíveis corruptos nunca são julgados – ficando em liberdade até ao momento em que o crime prescreve – como são aprovadas leis que, em vez de tornarem ilegais casos de promiscuidade entre o público e o privado, permitem a pratica. Nos últimos anos, entre deputados, ministros e empresários forjou-se um pacto que faz com que seja quase impossível meter na cadeia quem usa a sua posição política para enriquecer.                
Como se isto não bastasse, há os salários dos políticos. Devo reconhecer que não são particularmente elevados, embora, tendo em mente o que a maior parte deles faz, me pareçam excessivos. Ao dinheiro que recebem, tem de se juntar os privilégios de que auferem, tais como reformas a meio da vida, carros espampanantes e motoristas a toda a hora. Há, finalmente, gestos simbolicamente mortíferos. Será que, antes de ter decidido participar no louvável esforço da minha Junta de Freguesia, no sentido de dar comida às famílias necessitadas, a Assembleia da Republica não anteviu que a oferta dos restos de porco preto, de gambas e de ananases, deixados pelos deputados na travessa, são uma afronta?
Quem conheça a nossa História percebe rapidamente por que motivo a ideia de que se pode enriquecer com o trabalho não tem raízes. Há tempos, uma amiga minha, que dá aulas no Ensino Básico e Secundário, contou-me o seguinte. Depois de uma prelecção aos alunos sobre a necessidade de se estudar para subir na vida, um deles perguntou-lhe: «Ó stora onde é que se faz o dinheiro?». Satisfeita por ter captado a sua atenção, respondeu-lhe, «Na Casa da Moeda», após o que lhe explicou o processo de impressão e de cunhagem, um aditamento que não pareceu interessar-lhe. A certa altura, o jovem quis saber onde ficava a tal Casa. Ela deu-lhe a morada e repetiu que, se tivesse boas notas, certamente que lá arranjaria um emprego. Eis o que se seguiu: «Tem razão, stora, primeiro candidato-me, depois entro e, uma vez lá dentro, gamo o dinheiro todo que lá houver». Não pensem que se estava a fazer de engraçadinho. Vivo num país moralmente indigente.
«Expresso» de 7 Jul 12

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3 Comments:

Blogger José Batista said...

Muito bem haja, Maria Filomena Mónica, por chamar "os bois" pelos nomes.
A mim faz-me uma certa revolta haver tantos analistas e politólogos (curioso termo, este) sempre a passarem uma esponja sobre os escândalos dos poderosos, sobretudo se eles ainda não caíram (completamente) em desgraça (ou se prevê que possam não cair...). Ora, não compete a ninguém andar à cata das falhas dos políticos e mandantes, mas é dever importante exigirmos-lhes que se comportem dignamente, e fazer tudo para os afastar se não merecem o nosso respeito, logo que não procedam com retidão. E muito particularmente quando, ilegitimamente, ainda têm a distinta lata de se afirmarem de "consciência tranquila", como se nós duvidássemos disso...
Deve ser essa a razão por que temos tantos "doutores"...
E é também por isso que há certas pessoas a quem gosto de pronunciar o nome sem aquele ornamento prévio...
De resto, um dia destes ainda é capaz de haver quem proponha que a todos indistintamente se passe a chamar "doutor(a). Para facilitar...
Ou para (não) disfarçar.

15 de julho de 2012 às 13:29  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Havia um café (em Coimbra, julgo eu) que tinha à porta um papel a anunciar:

«Aqui tratamos todos por Doutor».

15 de julho de 2012 às 13:51  
Blogger José Batista said...

Sim, sim Carlos Medina Ribeiro.
E na rua João Jacinto havia, na primeira metade da década de oitenta, uma padaria onde um velho coxo e obeso servia todos os jovens que iam comprar os "papo-secos", agradecendo-lhes com um sonoro e bem pronunciado:
"Muito obrigado, doutor".
E a freguesia era normalmente constituída de jovens universitários, alguns caloiros, moradores na residência de estudantes logo ali ao lado.
Riam-se alguns, não apenas os provenientes de aldeias onde cavaram batatas e pasceram cabras, dizendo que era necessário habituar quanto antes as orelhas às formas de tratamento agradáveis.
Somos assim...

15 de julho de 2012 às 15:23  

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