Varridos pela História
Por Ferreira Fernandes
EM 1989, eu estava em Tsumeb, uma vila do Norte da Namíbia, país à
beira da independência, à beira da dúvida plena para o homem branco que
me perguntou se podia sentar-se à minha mesa. Se o melhor da Namíbia são
os seus desertos, Tsumeb servia de oásis: o nosso hotel tinha uma
varanda interior cercando o andar único e dando para um jardim de
buganvílias.
Não houve diálogo mas eu adivinhava a origem inglesa do
homem pela pronúncia da pergunta inicial e pelos calções e meias até aos
joelhos, um branco daquela África. Depois de muito silêncio, ele
perguntou de onde eu era. "Lá de cima, de Angola", respondi. Ele fez que
sim com a cabeça e disse: "Então, você já sabe."
Dez anos depois, em
1999, eu estava no Kosovo, em vésperas da independência. Os jardins do
mosteiro ortodoxo de Decani estavam cheios de refugiados sérvios. Dos
grupos que tentavam contactar as quintas assaltadas, por vezes saltava
um grito de mulher, desesperada pelo silêncio que respondia aos apelos
da rádio. Um sérvio grande agarrou-me para um pedido: que eu fosse a
Pec, cidade vizinha, ao apartamento tal, para saber do irmão, acamado,
que ele abandonara na fuga.
Hoje, 2012, não estou na Síria. Se lá
estivesse, saberia ver, claro, a razão dos revoltados. Mas também não
deixaria de deitar um olhar para os alauitas, a minoria a que pertence o
atual poder e que vai ser varrida pelos ventos da História.
A
demografia é uma arma poderosa e pouco generosa.
«DN» de 19 Jul 12 Etiquetas: autor convidado, F.F
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