A RTP e a concessão a privados
Por Maria Filomena Mónica
ESCUSAM os
portugueses de se maçar com a definição do que é o serviço público de TV pois
se trata de um conceito tão misterioso quanto o da Santíssima Trindade. Apesar
de tudo, existe uma diferença: é possível saber o que é esse serviço quando o
vemos em acção, mas, por mais pombinhas que me sobrevoem, o mistério católico permanece
intacto.
Habituada a ver a BBC, tão popular
que até hoje nenhum governo ousou propor a sua privatização, em 1974 imaginei ser
possível ter, no meu país, um canal que desse ao povo informação isenta,
programas divertidos e séries pertencentes à cultura dita superior. Passou uma
década e nada; passou outra e outra e nada; entrei no novo milénio e nada.
Se exceptuar alguns programas produzidos pela HBO,
além de um ocasional zap pelos canais
internacionais (a fim de verificar se a III Guerra Mundial rebentou), deixei de
ligar a televisão. Não, não vejo O Preço
Certo, a Decisão Final, nem futebol. A razão da anemia estrutural da RTP
está à vista: ao lado de programadores semi-analfabetos, deparamo-nos com governantes
eternamente interessados em dispor de tempo de antena.
Mas hoje o que importa é avaliar a
proposta que, pela boca de António Borges, o governo apresentou. Em lugar de
vender um ou os dois canais da RTP, o plano é o de fechar um e oferecer o outro
a privados. Eis o velho Portugal no seu pior: um Estado falido tenta obter
dinheiro através de quem não gosta de arriscar um tostão. Um exemplo, o da
concessão do monopólio do tabaco em 1891, ilustra bem a fraqueza do capitalismo
nacional.
Em 1890, Portugal atravessou uma
grave uma crise financeira. O governo do dia percebeu que teria de pedir
dinheiro ao estrangeiro, para o que era crucial ir munido de uma garantia. Esta
foi dada pelo conde de Burnay, o qual, exigiu em troca o monopólio do tabaco
que, por razões que não vêm ao caso, constituía a origem das fortunas nacionais.
Foi assim que o Estado entregou, por 35 anos, uma fonte de receita certa – o
imposto pago por quem fumava – a privados. Sem concorrência, os «contratadores»
do tabaco – do conde de Farrobo até aos Ulrich – enriqueceram rapidamente.
Se o plano para RTP se concretizar, é
isto que irá suceder. O Estado oferece a «contribuição áudio-visual» (140
milhões de euros/ano) que escandalosamente somos obrigados a pagar através da
factura da EDP (no meu caso, 28,62 euros) a um grupo privado, o qual poderá
ainda, novo escândalo, gozar dos frutos da publicidade. Em suma, não sei para
onde me voltar: se olho para a actual RTP, vem-me à memória o desperdício,
traduzido na frota de 57 carros de luxo, distribuída a administradores e
congéneres, por cujo aluguer, nos últimos quatro anos, a empresa pagou 1,1
milhões de euros; se penso na concessão, antevejo o favoritismo que a opção acarretará.
Perante isto, que pode um cidadão fazer? No meu caso, vou mandar selar o
contador da EDP, após que passarei a iluminar a minha casa à luz de velas.
«Expresso» de 1 Set 12Etiquetas: FM
1 Comments:
Atrevo-me a dizer que o antónio mexia já deve ter o monopólio das velas, por motivos de concorrência sã.
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