2.10.12

Caricatura de diálogo

Por Ferreira Fernandes
UM GRUPO de portistas ferrenhos convidou-me a escrever uma história do FC Porto. Deram-me carta branca, embora carta demasiado branca: eu tinha de contar aquele golo de Madjer na final de Viena (Porto-Bayern de Munique, 2-1) sem o argelino. Explicaram-me: o grupo era de excitados assumidos, dos que chamam "mouros" aos outros, e aborrecia-os ter um muçulmano a protagonizar um dos momentos altos do clube. Aceitei e já tenho escrito o capítulo do episódio: digo que o golo foi marcado por Futre e, graças aos milagres do photoshop, até pus foto do homem do Montijo a ser ele a dar o toque maravilhoso de calcanhar. 
Foi fácil anular o Madjer, já tenho experiência em apagar indesejáveis. Há tempos, um outro grupo, este de "celtas convictos", pediu-me para anular "os pretos" da história da seleção nacional de 1966. Eu, que tenho princípios, neguei-me à linguagem racista, mas apaguei tudo quanto era negro e mestiço, o que julgo serem termos cordatos. Enfim, Magriços sem Hilário, Vicente, Coluna e Eusébio (e também fiz sumir o Otto Glória). 
Até hoje não tinha ousado contar estes meus dotes. Mas desde ontem já me atrevo. O IKEA lançou os seus novos catálogos: 198 milhões de exemplares, 27 línguas e 38 países. Todos iguais. Com este senãozito: no catálogo para a Arábia Saudita as mulheres foram apagadas nas fotos. E daí não sei se faço bem em comparar. O IKEA , no fundo, só apagou mulheres.
«DN» de 2 Out 12

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