3.10.12

E apagar imagens sagradas, pode-se?

Por Ferreira Fernandes
VOLTO ao caso dos catálogos blasfemos. Uma empresa, depois arrependida, fez catálogos para a Arábia Saudita, onde, mais do que ridiculizar e insultar, se apagou a figura de culto de muitos fiéis: a mulher. 
É preciso entender que a não-representação, isto é, a anulação figurativa da mulher vai contra todos os ensinamentos desta religião. Os crentes que adoram a mulher, entre os quais me incluo, consideram uma afronta que a tentem esconder atrás de uma burka, quanto mais apagá-la. 
As mulheres são para ser vistas. Como a minha avó, operária têxtil e analfabeta, viúva desde os 29 anos e que educou as duas filhas sozinha, a ir buscar-me ao colégio de meninos bem, de carrapito, cara limpa e orgulhosa. Essa imagem para mim é sagrada. Calculem o que é para mim, homem crente e piedoso, ver esse símbolo ser raspado, sumido, negado nas páginas de um catálogo. Não há minha avó, nem filha da minha avó, nem bisneta da minha avó, mulher nenhuma... E nem pensem que me revolto só por essas santas pessoais. A minha religião é de muitas profetizas: é-me insuportável aceitar que apaguem o sorriso da brasileira que me entrega o café ao balcão, que me tapem o cabelo curto da presidente da Assembleia da República, que me calem a voz da Carminho. 
Não vou queimar bandeiras para embaixadas, respeito demasiado a minha religião para a proclamar com voz esganiçada. Mas choca-me o silêncio das outras igrejas agora que a minha crença foi tão insultada. 
«DN» de 3 Out 12

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