E apagar imagens sagradas, pode-se?
VOLTO ao caso dos catálogos blasfemos. Uma empresa, depois arrependida, fez
catálogos para a Arábia Saudita, onde, mais do que ridiculizar e
insultar, se apagou a figura de culto de muitos fiéis: a mulher.
É
preciso entender que a não-representação, isto é, a anulação figurativa
da mulher vai contra todos os ensinamentos desta religião. Os crentes
que adoram a mulher, entre os quais me incluo, consideram uma afronta
que a tentem esconder atrás de uma burka, quanto mais apagá-la.
As
mulheres são para ser vistas. Como a minha avó, operária têxtil e
analfabeta, viúva desde os 29 anos e que educou as duas filhas sozinha, a
ir buscar-me ao colégio de meninos bem, de carrapito, cara limpa e
orgulhosa. Essa imagem para mim é sagrada. Calculem o que é para mim,
homem crente e piedoso, ver esse símbolo ser raspado, sumido, negado nas
páginas de um catálogo. Não há minha avó, nem filha da minha avó, nem
bisneta da minha avó, mulher nenhuma... E nem pensem que me revolto só
por essas santas pessoais. A minha religião é de muitas profetizas: é-me
insuportável aceitar que apaguem o sorriso da brasileira que me entrega
o café ao balcão, que me tapem o cabelo curto da presidente da
Assembleia da República, que me calem a voz da Carminho.
Não vou queimar
bandeiras para embaixadas, respeito demasiado a minha religião para a
proclamar com voz esganiçada. Mas choca-me o silêncio das outras igrejas
agora que a minha crença foi tão insultada.
«DN» de 3 Out 12 Etiquetas: autor convidado, F.F
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