17.3.13

As trompas de Falópio não são do Estado

Por Maria Filomena Mónica
  
        NO PASSADO dia 8 de Junho, Liliana Melo, uma cabo-verdiana de 34 anos, viu a Polícia entrar em sua casa, munida de um mandado judicial, após o que lhe foram retirados sete dos seus dez filhos e encaminhados para adopção. Eis o final de um processo de «protecção de menores», iniciado em 2007, em que a mãe era acusada, não de maus tratos físicos mas de, entre outras coisas, haver faltado a um compromisso, celebrado com as assistentes sociais e sancionado por um juiz, no sentido de laquear as trompas. De acordo com a sua religião – é muçulmana – não o poderia fazer. Para cúmulo, o marido de Liliana tem várias mulheres. Ora, ninguém propôs ao progenitor um método infinitamente mais simples, a vasectomia. Pelos vistos, quando se trata de filhos, a culpa é sempre da mãe.

Tanto a Comissão Nacional de Protecção de Menores em Risco (designada agora, suponho que por o termo «menor» ter passado a ser politicamente incorrecto, por Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco) como o Tribunal consideraram que o mais eficaz era impedir a desavergonhada de voltar a engravidar. Até o bebé de seis meses foi levado pela Polícia, ficando a mãe com apenas duas filhas, de 11 e 17 anos, e um menor que escondera. Isto só podia acontecer a uma pobre mulher, fragilizada (é imigrante ilegal) e com uma prole considerada anómala. Recentemente, os jornais interessaram-se pelo que se passou.

Não é a primeira vez que me deparo com acções ou omissões da Comissão de Protecção de Menores. Em 2005, tive conhecimento de que um menor de 14 anos, fruto da violação de uma camponesa - débil mental e surda-muda -  desaparecera da escola e vagabundeava pelas serras beirãs. Ao longo de mais de uma década, nem o Estado nem a chamada sociedade civil tinham reparado nesta criança vivendo num estábulo ao lado de uma mãe sistematicamente violada. O pároco, os lavradores e os comerciantes desviavam os olhos quando se cruzavam com o miúdo que chorava porque lhe chamavam «filho da puta». Se é legítimo criticarmos o Estado, não devemos ter ilusões quanto à solidariedade escondida na alma do povo.

Nessa altura, após vários telefonemas para a assistente social, falei com a então Presidente da Comissão, que me disse não possuir os meios necessários para acudir a todas as situações. Até que uma leitora de o Público – sim, eu escrevera um artigo sobre o caso – me sugeriu que contactasse a Casa do Gaiato. Foi o que fiz: em 48 horas, o padre Acílio foi buscar o miúdo à aldeia e instalou-o em Paço de Sousa, onde permaneceu até ao final do Secundário, terminado com boas notas. A minha conclusão é a de que a Comissão de Menores ou de Jovens, como queiram, actua quando não deve e não actua quando deve. Os responsáveis e os funcionários, envolvidos em casos como o de Liliana, deveriam ser obrigados a ver e rever o documentário, Cathy, Come Home, exibido pela BBC em 1966, para perceberem que até mães sem recursos financeiros podem amar os filhos.           

«Expresso» de 16 Fev 13

Etiquetas:

1 Comments:

Blogger José Batista said...

Lembro-me do artigo do "Público" a que Maria Filomena Mónica se refere. Na altura apenas confirmei a má impressão que tenho dos organismos do estado, particularmente no que respeita à segurança social. E muitas vezes afirmei que o seu principal benefício é para as pessoas que emprega, por não conhecer casos de intervenção verdadeiramente útil, atempada e eficaz daquela estrutura. Mas, o desconforto que então senti é inverso da sensação de algum alívio pelo desenlace favorável do problema. Mesmo sabendo que muitas marcas indeléveis devem permanecer na alma e eventualmente no corpo daquele indivíduo.

17 de março de 2013 às 18:03  

Enviar um comentário

<< Home