As ossadas da avó? Ao pé das cebolas...
HÁ MEIA dúzia de anos, da Venezuela, escrevi sobre os cangalheiros que
recusavam velórios noturnos quando o morto era jovem e bandido.
Tornara-se hábito nos gangues juvenis levar o falecido para uma última
ramboia pela noite de Caracas. E o que incomodava os cangalheiros nem
era tanto o desrespeito pelo corpo mas as carrinhas funerárias serem
também levadas na procissão festiva... Afinal, corpos a passear como
última homenagem até pode ser aceitável: um dos maiores sucessos de
Jorge Amado é A Morte de Quincas Berro d"Água, a história baiana de um
copofónico militante que morre. Velado por amigos também da confraria da
cachaça, foi aparecendo um sorriso no morto, noite adentro. Daí a ser
arrastado para comemorar a ressurreição foi um passo que levou ao belo
romance. A amizade redimiu a violação do tabu que é não respeitar os
mortos. Essa atenuante parece não ter o casal que vai agora a julgamento
por guardar na despensa o cadáver da avó durante quatro meses. Não, não
os moveu a dor da separação. Foi mesmo só vigarice, uma complicada
troca de ossos para processar a junta de freguesia... O advogado de
defesa só tem uma escapatória: convencer o tribunal de que não foi
despensa. Com as ossadas levadas para a salinha de estar, para a velha
senhora continuar a ver a telenovela preferida, esta história sórdida
ganharia a generosidade dos bandidos caraquenhos e bêbados baianos. Na
despensa, é só uma história de netos rascas.
«DN» de 30 Mai 13 Etiquetas: F.F
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