24.6.13

A emergência da sociologia do ‘basfonds’

Por Maria Filomena Mónica 
NA ÚLTIMA 3ª Feira, estive na festa de comemoração dos 50 anos da revista Análise Social. Há muito que optei por não ir a celebrações de qualquer tipo. E, no entanto, fui. Atrasada, mas fui. Contrariada, mas fui. Porque o GIS, como persisto em designar a instituição, me ajudou a crescer num país pouco dado a voos intelectuais. E ainda porque, ao fim de 35 anos, vou deixar o meu gabinete, na Rua Miguel Lúpi, onde tudo começou e onde, para mim, tudo acabou.
Adérito Sedas Nunes, o fundador da revista, pertencia a um grupo, saído da Acção Católica, empenhado em modernizar o país. Basta pegar no nº 7/8, da Análise Social, com dois artigos que se viriam a tornar clássicos, um do próprio, intitulado «Portugal, Sociedade Dualista em Evolução», e o outro, de Silva Lopes, «A integração económica europeia: implicações sociais em Portugal», para nos apercebermos da importância da revista.
Pouco a pouco, fui-me afastando da Sociologia e aproximando da História. Há tempos, pegando nalgumas revistas de Ciências Sociais, constatei o abismo entre o tipo de Sociologia que Sedas Nunes apreciava e aquela que, nos dias de hoje, se pratica. Isto não acontece por acaso, mas porque a moda passou a ser estudar temas marginais, no duplo sentido da palavra: marginais, porque insignificantes, e marginais, porque abordam mundos alternativos. Inspirada pelo Prof. Boaventura Sousa Santos, que agora deu em rapper, a Sociologia perdeu o norte. 
Em meia hora, coleccionei cem títulos de artigos caricatos publicados em revistas peer reviewed. Ainda pensei fazer uma lista, mas acabei por me concentrar num caso, o projecto intitulado Keep it Simple, Make it Fast, subsidiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Eis o delírio, mais um, financiado por um Estado pobre, clientelar e ignorante.
A investigação está a cargo de Paula Guerra, que trabalhará com o sociólogo e ex-Ministro da Defesa, Augusto Santos Silva. Vale a pena ouvir a forma como a primeira apresenta o estudo: «O punk radica da (sic) música, mas tem a ver com a luta por determinados ideais, como uma vida mais igualitária». O duo sociológico analisará as letras e as músicas de 600 bandas punk nacionais – entre as quais os produzidos por Deskarga Etílica, da Figueira da Foz, os Fita-Cola, de Coimbra e os Tara Perdida, de Lisboa - entre 1977 e a actualidade. Onde estava eu que não dei por eles?
No final, a professora da Faculdade de Letras do Porto informa-nos que o trabalho aborda também a questão do envelhecimento dos rapazes de crista na cabeça: «Vamos avaliar como é que uma pessoa permanece punk sem estar condicionado pela idade, roupa e as trajectórias de vida que permitem ao mesmo indivíduo ser punk de várias maneiras e manter referências e gostos desde a juventude». O projecto inclui finalmente a criação de «um arquivo físico e virtual de fanzines, e-zines, jornais, discos». A fúria não me deixou chegar ao fim. Para me acalmar, fui reler o Down and Out in Paris and London de George Orwell.
«Expresso» de 22 Jun 13

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1 Comments:

Blogger Unknown said...

a brigada das colheres tem muito mais membros do que parece.

26 de junho de 2013 às 01:09  

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