"Fiesta" no sofá
Por Ferreira Fernandes
HEMINGWAY
foi às festas de San Fermin, em Pamplona, pela primeira vez em 1923.
Ainda iria mais nove vezes, e no ano em que se matou, 1961, telefonou a
desmarcar o quarto. Nos últimos anos, este era sempre o 217, no La Perla
Hotel, e era da janela do segundo andar que ele via os touros a correr
pela ruas da capital navarra, até à praça. Na década de 20 e 30, também
não era aficionado de correr com 600 quilos do touro nas costas, apesar
do seu jornal, o Toronto Star, ter feito título, em 1924, com ele
ferido nas San Fermin, o que era falso. Em Pamplona, ele inspirou-se
para o romance Fiesta e para o ensaio Morte à Tarde sobre o
toureio. Sobre rituais, paixão e valentia. Noventa anos depois desse
fascínio, o talento de Hemingway ainda nos agarra quando escreve sobre
um assunto que a tantos deixa indiferente e a cada vez mais repugna. Não
deixa é de ser irónico que milhões, hoje, possam ver a largada de
touros de San Fermin com a minúcia que Hemingway não teve. Recorrendo
aos vídeos dos jornais espanhóis, seguimos, do sofá, cada segundo dos
quatros minutos do encierro que as diversas manadas levam a
percorrer 800 metros de três ruas de Pamplona. Vemos o pormenor de um
corno entrar na coxa de um jovem. Vemos a multidão cair à entrada da
praça, enrodilhar-se na fuga e ser atropelada por bestas. E revemos
quantas vezes quisermos. Não deixa de ser irónico que um ritual obscuro
nos lembre que vamos ficando mais poderosos e sabedores.
«DN» de 14 Jul 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
1 Comments:
Uma festa que não compreendo e de que não gosto, talvez por não conseguir compreender...
E que me deixa a pensar sobre a natureza (insondável, misteriosa...) do ser humano.
Como não percebo o interesse por um "desporto" (?) como o boxe.
Depois, quando vejo que pessoas como Hemingway (o que chorei a ler "o velho e o mar"...) apreciavam as "touradas" de S. Fermim, ou que nosso Manuel da Fonseca apreciava o boxe, sinto-me algo perplexo.
E insisto em dizer que não compreendo. Mas, faz tempo, dei comigo a perguntar-me: será que compreendo (muito) bem?...
Vamos mesmo ficando mais sabedores?
E se fosse possível acreditar que vamos ficando melhores?
E... é isto.
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