Lisboa, onde aportou Bana
Por Ferreira Fernandes
HOJE,
ele vai partir da sua cidade. Um dia, vi uma jovem lisboeta numa casa
da Rua do Sol ao Rato descobrir o mundo trazido pela voz do gigante. A
ele eu conhecia. Como no poema de Auden, "ele era meu norte, sul, meu
leste e oeste", era o sentido da minha vida. Definição de felicidade?
Tão simples: o canal de São Vicente com barcos enferrujados e Bana, tão
grande, na praia a dizer as palavras de Resposta de segredo cu mar,
acompanhado só pelo clarinete de Luís Morais... Se calhar nunca
aconteceu, ali, de costas para o Mindelo e com Santo Antão ao longe, mas
eu recorro a essa música para justificar o bairro luandense da minha
infância, os amigos da adolescência, a ideia do meu mundo. Aliás, só fui
ao Mindelo um dia e já lá não estavam nem Bana nem Luís Morais, só os
barcos enferrujados e Santo Antão ao fundo. Por isso, quando Bana
começou a cantar, na casa de mornas Monte Cara, eu encostei-me à cadeira
para estar comigo. Foi quando a vi, à jovem lisboeta, fechar os olhos
para estar consigo. E o corpo dela começou a menear-se, lentamente como
uma morna pede. E quando Bana calou-se, nem eu nem ela aplaudimos,
estávamos demasiado virados para dentro. Percebi que ela tinha ouvido um
cantor da sua cidade. Hoje, na sua cidade, Lisboa, Bana vai ser cinzas.
E depois vai para o Mindelo, a sua cidade seminal. Mindelo de São
Vicente. São Vicente dos flagelados do vento leste. Do vento leste
(norte, sul, oeste...) que o vai devolver ao mundo.
«DN» de 15 Jul 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
1 Comments:
gostei...muito!
eu sou uma merda, não escrevo como você!...mas sou eu a dizê-lo!
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