Viva o meu 'doping' na Volta à França!
Por Ferreira Fernandes
TODOS
os anos, pelo Tour de France, tomo substâncias euforizantes. Injeto
esteroides anabolizantes que me fazem ver arco-íris e formas surreais.
Também lhes podem chamar aldeias francesas. Eu, sentadinho no sofá, vejo
casas de camponeses que são casas de camponeses - em França, São João
da Pesqueira não está geminada com a Damaia-de-Baixo. Se são tetos de
colmo, são tetos de colmo, se são telhas, são telhas, cada região, hoje,
como já era no primeiro Tour, em 1903. Fico narcotizado só de pensar
que aquele país, desde aí, foi devastado por duas guerras mundiais...
Todos os anos, em julho, deixo de ser um português sem vícios e tomo
imagens de TV francesa em doses galopantes. As câmaras que cavalgam
motos mostram-me muros de pedra comida por musgo e silvas, e não blocos
de cimento a que se encostam colchões fartos de ser usados e à espera do
carro do lixo da junta. As câmaras dos helicópteros abrem-se sobre
pastagens pontuadas com medas de palha e não sobre merdas de biscateiros
que fizeram uma garagem no meio das vinhas. O campo em França não é de
suburbanos que emigraram sem sair da terra. Os camponeses do Midi e os
pescadores bretões não fecharam as varandas para guardar as botijas de
gás, alindam-nas com vasos de flores. Cuidam dos olhares de fora como
nós, nas casas de frontaria medonha, reservamos os napperons para as
visitas. Todos os anos, em julho, o meu controlo dá positivo e a droga
chama-se civilização. Importada.
«DN» de 16 Jul 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
3 Comments:
os portugueses são desleixados e desalmados. é penoso viajar pelo país e ficar com a sensação de que valia mais ficar em casa.
mas considerar merda os biscateiros acho uma indecência moral.
Também sofro do "mal" de Ferreira Fernandes.
Não sei sequer o nome de todas as equipas, desconheço nome e país dos corredores que ganham e que não ganham, oiço com agrado os comentários de Marco Chagas (espero não estar a errar no nome...) e os do seu "colega" jornalista, de cujo nome também não estou certo (e que é obsceno não saber...). Isto tudo porque me deleito com as paisagens, onde me ficam os olhos, os sentidos e a atenção. E quando chegam os momentos de celebração já eu desliguei o televisor...
Quanto ao esforço sobre-humano dos ciclistas, só não acho que devia ser proibido por uma questão de liberdade e também porque assim não podia ver as paisagens...
De resto, não acredito que, por mais fortes, treinados e capazes que sejam, aqueles homens - os dos pedais - não estejam mais ou menos "dopados". Porque aquilo me parece esforço muito além do que permite a força humana.
E estou convicto que não é só no ciclismo.
Também eu vejo, sempre que posso, pelas paisagens com imagens tomadas desde o solo, aéreas..
São uma beleza e fazem-me muitas saudades de França.
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