Desculpem, é pouco mas há que o lembrar
Por Ferreira Fernandes
NA MORTE de um escritor é insólito falar da sua coragem física, da temeridade. A outra, a coragem moral - compreender o que é justo e fazê-lo - tem mais nobreza. Mas desta, eu que não conheci Urbano Tavares Rodrigues, não posso falar, direito reservado só a amigos próximos e inimigos constantes. Então, a temeridade. Numa entrevista não muita antiga, UTR referiu-a. Dos tempos salazaristas, disse: "Eu era quase inconsciente, não tinha medo de nada. Na clandestinidade em Portugal fiz coisas do arco da velha." Infelizmente quem o entrevistava deveria ser adepto dos grandes valores confucianos e não foi curioso. Ficámos sem saber, sei lá, o que é apanhar um comboio para entregar uma carta, o que não parece grande coisa, ou talvez seja se o risco for não regressar... Mas UTR insistiu com a sua pequena qualidade: "Já neste estado [era já octogenário], dei um soco a um tipo que foi malcriado com a minha mulher por causa de um problema de trânsito..." Bravatas de velho? Seguramente não. Os testemunhos da sua temeridade são antigos: por exemplo, em 1969, em Entrecampos, cercado por pides andou ao murro com eles. Um intelectual, um dandy e, quando tinha de ser, ao murro. Já muito velho foi pai, e deixou, disse-o em várias entrevistas, uma carta para o filho abrir quando fizer dez anos.
Espero que Urbano - entre coisas grandes que lhe pode ter deixado - lembre a virtude da pequenina coisa que é o murro quando tem de ser.
«DN» de 10 Ago 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
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