4.9.13

Os trapalhões

Por Baptista-Bastos
A BELIGERÂNCIA com que Passos Coelho trata o Tribunal Constitucional é uma estratégia suja, deprimente, absurda e inútil. E sugere várias interpretações. Ou o Governo desconhece os limites constitucionais a certas deliberações, e será gravemente ignorante; ou conhece-os e tenta contorná-los, com manha e léria, e será abjectamente indecente; ou, então, procura o conflito institucional, tripudiando sobre o documento que estatui e defende o Estado de direito, o que será um comportamento ignóbil. A conclusão lógica a que chegamos, em qualquer dos casos, é: o Governo não se dá bem com a Constituição e arrisca obliterá-la, a fim de governar como entende e deseja. Em cinco vezes, os juízes vetaram, por inconstitucionais, decisões do Executivo; conclusão que os nobilita e deixaram em fúria os trapalhões que agenciavam ludibriá-los. Por último, o dr. Passos, sem atender ao ridículo, diz que "falta bom senso" ao Tribunal.
O PSD nunca se sentiu confortável com a Constituição, e Sá Carneiro jamais ocultou o seu desagrado pela natureza do documento que falava em "via para o socialismo", um horror. O preâmbulo ainda contém o princípio, mas não possui valor jurídico ao nível de uma ruptura constitucional; vale, apenas, como demonstração de valores históricos. O professor Jorge Miranda está cansado de esclarecer o pormenor, que continua a causar engulhos a alguma gente pressurosamente ignara ou arteiramente matreira.
A Constituição é um contrato entre o povo e o País. Havíamos saído da tragédia do fascismo e desejávamos a democratização rápida, que, na altura, só a aposta socialista parecia permitir. Nada de grave: não se promove, por decreto, nenhum sistema político, e a referência modesta não proporciona a criação de novos valores. Causa brotoeja, pelos vistos.
A segunda revisão constitucional, em 1989, apurada com os votos do PS, aboliu, como valor jurídico, a palavra maldita: socialismo. Vale pela inversa o que a estatui: nenhuma mordaça cala nem apagão que desvaneça o poder de uma ideia. "Não há machado que corte a raiz ao pensamento", escreveu Carlos de Oliveira. Sobretudo se essa ideia contiver, no seu mais nobre significado, os princípios da igualdade, da fraternidade e da solidariedade.
Quando está no poder, o PSD manifesta muita dificuldade em relacionar-se com as instituições que representam a democracia. O próprio Sá Carneiro, extremamente autoritário, possuía uma criatividade revoltada, o que explica a relativa concepção de democracia e da sua prática por ele demonstrada. Os conflitos havidos com o partido são reveladores dessa característica. E o PSD é um amontoado de interesses, para o qual o poder é uma iguaria.
A sedimentação da democracia em Portugal não tem sido fácil. Talvez porque haja poucos democratas ou, então, os que há sejam democratas instantâneos, como o pudim flan.
«DN» de 4 Set 13

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3 Comments:

Blogger José Leite said...

Democratas há-os. O que são é «não praticantes»...

4 de setembro de 2013 às 11:19  
Blogger Ramiro said...

Ocorre-me dizer que o governo vê a Constituição como se estivesse escrita em prosa poética, à mercê da sensibilidade interpretativa de cada um. Valham-nos os três pastorinhos!

4 de setembro de 2013 às 11:27  
Blogger Agostinho said...

Democrata "não praticante" é epíteto que não cola: ou se é ou não, ponto final.
Pode-se ter até uma prática residual, como manda a santa madre igreja "ir uma vez por ano à missa", se não houver esse mínimo então democrata não é. Nem sequer democrata flan - tremido!

4 de setembro de 2013 às 20:47  

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