5.3.14

Isto vai acabar mal

Por Ferreira Fernandes
Os jornais desportivos eram trissemanais - quintas-feiras europeias, sábado adiantando o campeonato, segunda contando-o - e tinham encontrado o seu equilíbrio. A meados dos anos 1990, passaram a diário e empanturraram-nos. Por muito se escrever, nada passou a dizer-se. Então no verão sem campeonato, o esplendor do deserto: capas ("Injovic certo em Alvalade!") dedicadas à contratação de desconhecidos que não serão contratados e continuarão desconhecidos. Quem leu, nos bons velhos tempos, as pérolas de Carlos Pinhão, n' A Bola, contando com estilo e tempo, uma criada num hotel de Marselha, encontrada no azar de uma digressão do Benfica, sabe o que perdeu. Agora que os jornais online estão a passar à possibilidade técnica de narrar ao segundo, a caça a tudo estendeu-se a todo o jornalismo e este, aturdido, passou a barata tonta. Ontem, a edição em espanhol do Huffington Post editou um vídeo de 22 segundos com o Rei Juan Carlos e o ministro de Economia espanhol Luis de Guindos à espera da patroa do FMI. De pé e braços nas costas, suas senhorias falam. O Rei: "Esta noite são os Óscares e está a chover a potes." O ministro: "Faz-lhes falta que chova." Silêncio. O ministro: "Tenho uma cunhada que mora em Los Angeles." Silêncio. O ministro: "É mulher de um irmão." O Rei pondera gravemente o que ouviu. Acabaram os 22 segundos. 
Não, não temo só pelo jornalismo. As instituições não aguentam que o povo saiba as alturas por onde pairam. 
«DN» de 5 Mar 14

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