3.7.14

Para nos desenjoar do bocejo doméstico

Por Ferreira Fernandes 
Uma polémica acendeu-se em França. Não, não é sobre a detenção de Sarkozy, essa não merece polémica. Um homem (um qualquer) e a sua circunstância, leis - que assunto banal. Outra coisa é uma revista prestigiada, L' Express, fazer capa com a foto da ministra Ségolène Royal, ex-candidata presidencial e ex-mulher do Presidente, com o título: "L' Emmerdeuse". O osso da palavra, merde, sugere à nossa branda língua oficial uma tradução que não é a adequada (está é "A Irritante", tão-só). Mas em francês merde é uma palavra vulgar, não no sentido baixo mas correntio do termo. E até com estatuto de nobreza, ganho em campo de batalha quando o general Cambronne, intimado a render-se em Waterloo, respondeu curto: "Merde!" Ora, saltaram sobre a capa da revista vários políticos franceses, como o primeiro-ministro Manuel Valls, sugerindo "um insulto a todas as mulheres". O costumeiro desviar a discussão com o truque das grandes causas: "O senhor só está a gritar comigo porque sou estrangeiro", diz o jovem carteirista no elétrico 38... Fazer capa com "O Irritante", se for político, ele até gosta, fá-lo passar por combativo; em sendo mulher, reage-se com política correta e mole. Esta degenerescência da linguagem pública tem antídoto. Christophe Barbier, o diretor do L'Express, fez um editorial em vídeo, segurando a capa da sua revista e pontuando: "L' Emmerdeuse, sim!" A luta pelas palavras justas é cada vez mais essencial.
«DN» de 3 Jul 14

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