A mistificação democrática
Por Baptista-Bastos
Um
dos grandes projectos da República foi a instrução. Uma das prioridades
deste Governo é a destruição da escola e a liquidação do ensino,
através de todos os meios. Os professores são enxovalhados, e seis mil
dentre eles não encontram ocupação. Fecham escolas sob a inacreditável
afirmação de que os alunos são escassos, e há miúdos que são obrigados a
percorrer dezenas e dezenas de quilómetros a fim de receber as
primeiras letras. Tribunais fecham, e os técnicos afirmam que o facto
acentua a desertificação do País e a sua decadência social e moral.
Estas, as terríveis notícias das últimas horas, aplicadas a um povo que
parece ter-se despojado das mais elementares noções de integridade.
João
de Barros (1496-1570), o das Décadas, o linguista que escreveu a
primeira Gramática da Língua Portuguesa, o sábio que morreu na miséria,
como o seu contemporâneo Luís de Camões [1524(?)-1580], perseguido pela
inveja e pela ignorância, escreveu um desabafo que define Portugal e as
suas misérias: «País padrasto, Pátria madrasta.» A nossa história está
repleta destas misérias sociais, políticas e éticas. Sophia, sobre
Camões: «Vais ao Paço/pedir a tença/ e pedem-te paciência.» Quem manda
odeia quem pensa, desdenha de quem cria, acossa o talento e rechina do
génio.
O que está a acontecer, na nossa pobre terra, é a
repetição das deformidades que nos têm marcado, desde a nascença. Agora,
porém, o travo é muito mais amargo porque perpetrado com estudada
ciência, e outrora apenas aplicado pela intuição, embora malevolamente.
Os do mando financeiro desmoronam-se, na aparência, porém continuam a
dar instruções, através de porta-vozes dissimulados. Só não vê quem não
quer saber, só não escreve (nos jornais) quem tem a palavra sequestrada
pelo estipêndio. O "sistema" garante a liberdade ao prevaricador, desde
que este possua três milhões de euros.
Continuamos sem perceber o
que é um banco "bom" e um banco "mau", como permanecemos sem
conhecimento de onde provêm os milhões de milhões que vão colmatar os
buracos do BES.
Sei muito bem que a democracia é um negócio entre
poderes que fingem digladiar-se, e os enganos em que vivemos fazem parte
destes jogos indecentes admitidos por todos aqueles que se sentam à
mesa do Orçamento, ou por quem os admite com negligência culposa. A
democracia é, acaso, o melhor dos regimes porque assim têm querido que
pensemos. Um livro que, ocasionalmente, tenho citado, Pourquoi nous
n"aimons pas la démocracia, de Myriam Révault d"Allonnes, é capaz de
explicar a natureza do regime e as constantes das nossas decepções.
Afinal, estamos a atribuir responsabilidades do caos - a quem?, e a
quê? A Europa "democrática" é-o, de facto, ou trata-se de outro embuste e
de outra mistificação?
«DN» de 3 Set 14 Etiquetas: BB
2 Comments:
Ferem, estas verdades, mas ainda bem que alguém as diz, e tão claramente.
Obrigado.
Ensina mais uma enxada na mão que um professor a lição.
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