Enquanto o lobo não vem
Por Ferreira Fernandes
Ontem, o El País tinha uma página sobre a enfermeira que está quase curada do ébola. Falando do marido dela, também isolado mas sem ter sido infetado pelo vírus, o jornal madrileno fez este destaque: "O trauma sofrido causará um stress - diz um psiquiatra". Ontem, também, o DN publicou uma página sobre um português que, suspeito de ter ébola (rebate falso), foi fechado durante duas horas numa sala do Hospital Francisco Xavier onde nem tinha uma cadeira. Os povos felizes (dos quais se diz que não têm História), são assim, têm a oportunidade de se assustar com tangentes. Não é que não tenham histórias, têm-nas. Ter sido isolado, mesmo só por precaução, e ter a mulher com ébola, mesmo que em recuperação, é traumatizante; febril e ter sido colocado numa sala hospitalar sem uma cadeira, é duro. Mas pertencem à categoria dos dramas que se ultrapassam. Não são tragédias, coisas definitivas de más. Esperemos ficar só por dramas e não cair nas tragédias. Mas era bom, entretanto, sabermos que estas, as tragédias, existem. Basta ver fotos da Libéria e da Serra Leoa. É a dimensão delas que nos leva a pensar que nos dramas de Madrid e de Lisboa, no isolamento de dias do marido da enfermeira e no isolamento de duas horas do português há um bom sinal. Significa que já há quem saiba que há, mesmo, o perigo de tragédias. Alguns já sabem. Mas saberemos todos que há tragédia quando os jornais não dedicarem uma página nem ao stress nem à falta de cadeira.
«DN» de 20 Out 14 Etiquetas: autor convidado, F.F
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