10.10.14

Mentiroso e coxo

Por Antunes Ferreira

JÁ SE SABIA que Passos Coelho era um mentiroso, que frequentemente dava o dito por não dito, que pela manhã a questão era branca, à hora de almoço preta e pelo jantar cinzenta. Mas também já se sabia – e sabe – que mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo.  E igualmente se sabia que os ministros do seu (des)Governo lhe seguiam as pegadas e que por isso se tinham transformado em troca-tintas. Para ser mais correcto eles sempre o haviam sido, mas nos últimos tempos têm abusado.

Quando rebentaram o escândalo e a trafulhice do GES, Coelho meteu-se nas encolhas e mandou Carlos Costa assumir publicamente o desvario daí resultante. E o governador do Banco de Portugal obedeceu à ordem do patrão e fez a figura caricata frente às câmaras televisivas. E ele, Passos, manteve-se olimpicamente a banhos na costa algarvia. Vendo bem a enorme fraude financeira, a ministra Maria Luís só viria dar a cara (timidamente e empurrada) a tentar explicar o inexplicável. E como nos contos de fadas todos viviam enlevados e felizes.

Os cidadãos contribuintes não pagariam um cêntimo pelo descalabro e nem pensar pela divisão do BES em good bank e bad bank. Aliás o próprio Cavaco afirmara que o banco era sólido e que se podia investir nele; o mesmo aconteceu com Passos Coelho, o que não admirou dada a consonância e a cumplicidade entre os dois membros do partido laranja. Fizeram mesmo o marketing da instituição. Que não deve ter sido pago por Ricardo Salgado, mas nunca se sabe.

Os partidos oposicionistas não gostaram que lhes tivessem tentado enfiar o barrete. E desde logo afirmaram que seriam os contribuintes que haveriam de pagar a factura. A resposta do chefe do (des)Governo veio a público com altivez , pundonor e veemência: que os Portugueses estivessem descansados, casos como do BNP jamais se repetiriam. Acabara a rebaldaria. Porque agora lá estava ele, Coelho, pra lhes garantir que no BES ninguém pagaria.

Estavam as coisas neste pé (um tanto adormecidas) e surgiu o famigerado caso da Tecnoforma. Coelho titubeou. Primeiro não se lembrava de ter recebido qualquer quantia; depois foi ao Parlamento onde meteu os pés pela mãos e o seu comparsa de Belém comentou que, pelo que tinha chegado ao seu conhecimento, Passos respondera a todas as perguntas não deixando margem para dúvidas. Nunca tal se vira: o alegado Presidente da República submetia-se ao primeiro-ministro…

Mas pensando bem no assunto saltou-me a recordação: nos tempos da ditadura salazarenta passava-se quase a mesma ocorrência. O presidente do Conselho escolhia o Chefe de Estado e mandava nele tranquilamente porque o mais alto magistrado da Nação era uma figura decorativa, era a Rainha do Reino Unido, mas com calças. Raio de comparação; para o que me havia de dar…

Porém, eis que ao arrepio do que havia dito convictamente, Coelho   admitiu na passada quarta-feira que a solução encontrada para o BES podia implicar encargos para os contribuintes, devido à participação da CGD no fundo de resolução, mas voltou a considerar que a opção tomada foi a melhor possível.

"Na medida em que existe um banco público que participa desse fundo [de resolução] e dessa responsabilidade, claro que esse banco [Caixa Geral de Depósitos], tal como os outros privados, suportará eventuais perdas. Nesse sentido, de forma indirecta pode haver algum prejuízo", afirmou Passos na Itália.

Também a ministra Maria Luís Albuquerque, admitiu no Parlamento que os bancos participantes no Fundo de Resolução que detém o Novo Banco (que ficou com os activos considerados não problemáticos do BES) podem vir a ter de assumir perdas, caso da Caixa Geral de Depósitos, pelo que no limite os contribuintes poderão ser a chamados a pagar parte da intervenção no BES.

Mau, mas então em que ficamos? Pagamos ou não pagamos? Pelo andar da carruagem, vamos mesmo pagar. Esta estória sinistra fez-me recordar a lenda dos patos. Ruy Barbosa figura inultrapassável na História e Cultura do Brasil, ao chegar a casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe: “Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo acto vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.” E o ladrão, confuso, diz: “Dotô, eu levo ou deixo os pato?"

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2 Comments:

Blogger Buíça said...

Que chorrilho...
Ou se entende a diferença entre no BPN o contribuinte ter assumido TODAS as dividas do banco e no BES ter sido o sistema bancário a assumi-las, ou não se compreende nada.
Num caso foi directo na veia.
No outro se houver prejuizos sao a dividir pelos bancos, entre os quais o banco do Estado.
E é provável que existam esses prejuízos, mas há pouca coisa mais idiota do que pretender que quem tem um banco para vender o admita antecipadamente.

10 de outubro de 2014 às 12:15  
Blogger lino said...

Tenho muitas dúvidas de que os contribuintes vão pagar "apenas" 30% da diferença entre os 4.900 milhões e o valor da venda. Onde está a legislação, quer portuguesa quer europeia, a suportar a decisão do desgoverno? Se o estado for condenado a indemnizar os accionistas do BES que vai pagar somos nós.

Não concordo com a equiparação do eucalipto à rainha da Inglaterra, porque esta sempre foi uma senhora.

Abraço

11 de outubro de 2014 às 18:36  

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