Ponto final
Por Baptista-Bastos
Durante
sete anos, às quartas-feiras, publiquei no Diário de Notícias, a
convite expresso de João Marcelino, uma crítica de costumes e hábitos.
Foram sete anos excelentes, de trabalho entendido como tal, e de uma
estima comum que se converteu em amizade. Marcelino é um jornalista com
os princípios marcantes de outro tempo, de integridade a toda a prova e
de uma cortesia e camaradagem que se perdeu quando as palavras foram
substituídas por números, e quem dirigia foi trocado por porta-vozes
estipendiados. Como a personagem de Sartre, "je suis irrécuperable" na
certeza das minhas convicções sem certezas absolutas. Vivo, ainda hoje,
sob o fascínio das palavras e do seu poder subversivo. João Marcelino
pertencia, e pertence, a essa estirpe de jornalistas conhecedora de que
só as palavras aproximam os homens e nos ensinam da sua imperfeita
grandeza. Ele e a sua equipa fizeram de um jornal cinzento, pusilânime e
obediente um empreendimento cultural honrado e limpo. Honro-me de ter
participado no projecto a que já não pertenço por motivos a que sou
alheio.
Fui posto fora, mas não das palavras. Vou com elas,
velhas amantes, para aonde haja um jornal que as queira e admita a
indignação e a cólera como elementos de afecto, e sinais de esperança,
de coragem e de tenacidade. Nunca João Marcelino admitiu recados nem
aceitou encomendas enviesadas tendentes a amenizar o texto, portanto as
ideias, do seu colaborador. Nos tempos que correm, o que em outros
anteriores seria normal é, agora, virtude e coragem. Estou-lhe grato
pela rectidão de carácter, tantas vezes demonstrada.
Claro que
também tive o suporte de milhares de leitores. O número foi crescendo na
medida em que eles percebiam que o autor não envilecera com a idade nem
amolecera as indignações com o peso e as ameaças da época sombria. Na
edição digital do DN, as minhas crónicas chegaram a obter 15 mil
visualizações, dezenas de impressões e de envios. Admiti, tola soberba!,
que havia quem encontrasse nas palavras semanais uma ração de
esperança, um apelo à não desistência e um aceno de confiança na força
interior de cada um. Apenas relato, não lamurio. Mas não posso calar o
que me parece um acto absurdo, somente justificado pelas ascensões de
novos poderes. Porém, esses novos poderes são, eles próprios,
transitórios pela natureza das suas mediocridades e pelo oportunismo das
suas evidências.
As palavras, meus dilectos, nunca são uma
memória a fundo perdido. A pátria está um pouco exausta de tanta
vilania, mas não soçobra porque há quem não queira. Se me aceitarem,
estou entre esses. Não quero nem posso pôr um derradeiro ponto final no
texto sem o dedicar a todos os que fizeram do Diário de Notícias o
jornal que tem sido. E aos leitores que o ajudaram a ser.
«DN» de 8 Out 14 Etiquetas: BB
3 Comments:
Tenha lá paciência,apesar da idade,o Diário de Notícias de Mesquita ou de Resendes nunca foi cinzento nem pusilânime!Tive até muito gosto em lê-lo nesses tempos.
Olhe Baptista Bastos, para onde quer que vá, permita que os seus textos continuem a chegar ao "sorumbático".
Sabe-me bem lê-lo aqui.
Muito obrigado.
Apesar de discordar muitas vezes,a sua voz contestatária é imprescindível.Tanto mais, quando os interesses falam mais alto, o medo de perder o emprego fazem calar a verdade dos atropelos aos direitos fundamentais, o desinteresse se instala insidiosamente no quotidiano , o cinzentismo regressa.
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