Morreu um homem livre: Manuel de Lucena
Manuel
Lucena, por volta do ano 2000, à janela do seu escritório no Instituto de Ciências
Sociais, na Rua Miguel Lúpi
fotografado por António Barreto”
*
Por António Barreto
VI-O EM 1962, em Lisboa e em Coimbra, na agitação do movimento estudantil. Conheci-o em 1968, no exílio. Encontrámo-nos depois em Paris, Genebra, Roma, Argel e Lisboa. Fundámos a “Polémica” com o Medeiros Ferreira, o Carlos Almeida e o Eurico Figueiredo. Trabalhámos no mesmo Instituto durante mais de trinta anos. Colaborámos intimamente em diversos projectos. Afastámo-nos e aproximámo-nos várias vezes. Sempre com a certeza da amizade.
VI-O EM 1962, em Lisboa e em Coimbra, na agitação do movimento estudantil. Conheci-o em 1968, no exílio. Encontrámo-nos depois em Paris, Genebra, Roma, Argel e Lisboa. Fundámos a “Polémica” com o Medeiros Ferreira, o Carlos Almeida e o Eurico Figueiredo. Trabalhámos no mesmo Instituto durante mais de trinta anos. Colaborámos intimamente em diversos projectos. Afastámo-nos e aproximámo-nos várias vezes. Sempre com a certeza da amizade.
A sua monumental obra sobre a
evolução do sistema corporativo português (“O
Salazarismo” e “O Marcelismo”) é
um dos expoentes maiores das ciências sociais portuguesas. O mesmo se pode
dizer das suas reflexões sobre o sistema político do Estado Novo, que,
singularmente, classificava de “fascismo
sem movimento”.
Mais do que a inteligência,
luminosa e meticulosa, mais do que a cultura, fenomenal e sem fronteiras, tanto
quanto o carácter, íntegro e inconformista, o que mais apreciei nele foi a sua
liberdade. Foi o homem mais livre que conheci. Porque começava por ser livre no
pensamento. Nunca recusou, por preconceito ou fé, olhar para um facto ou
analisar uma ideia. Nunca classificou antes de compreender.
Era conservador e revolucionário.
Tinha, da família, da religião, dos costumes e da moral crenças e convicções
muito próprias que as tribos habituais tinham dificuldade em reconhecer como
suas. Gostava de Portugal e de Angola, custava-lhe ver um sem outra, mas
desertou do exército colonial e recusou fazer a guerra, porque nenhum, Portugal
e Angola, merecia tal.
Era o terror dos editores, dos
directores de jornais e dos chefes de redacção: nunca respeitou prazos nem
dimensões. Mas o que escrevia acabava sempre por o reabilitar e fazer esquecer
a indisciplina.
Foi um verdadeiro marginal. Podia
ter ganhado dinheiro, nunca o fez. Podia ter exercido cargos políticos, nunca
aceitou. Podia ter acedido a posições importantes, nunca o quis.
Conseguia fazer o mais difícil:
poder e saber dizer não e sim.
-
Texto também publicado no Observador.
Etiquetas: AMB
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home