4.6.16

Na morte de um piloto

Por Antunes Ferreira
Nunca gostei do chamado desporto automóvel; aliás tenho más relações com a viatura. Não gosto de conduzir e só faço por não ter rendimentos que me permitissem ter um motorista. Tirei a carta (há quem pergunte: a quem?...) no terceiro exame e ainda hoje penso que o saudoso pai deve ter pago umas “luvas” ao examinador. Arrumar o carro é um tormento porque para isso é preciso utilizar a marcha atrás – abominável!
Quando menino decorria um duelo entre os pilotos Juan Fangio e Stirling Moss ao longo dos circuitos que então existiam e que durou anos. Uma cunha do então presidente do ACP obrigou-me a dar uma volta ao circuito de Monsanto no carro de corridas pilotado pelo inglês. Terminada a “façanha” júri que nunca mais me meteria  em tais assados. E cumpri. Ainda me tentaram no Grande Prémio de Macau já lá vão muitos anos. Claro que apesar da insistência dei a maior nega da minha vida.
Em 1994 faleceu Ayrton Senna no circuito de Ímola vitima de um desastre passado em directo nas televisões e que felizmente não vi. A BBC considerou-o o maior piloto do Mundo. Mas esse qualificativo não impediu o seu doloroso fim. A morte do tricampeão do Mundo rodeou-se de enorme controvérsia e penso que até hoje as versões mais díspares continuam a guerrear. Isso ainda mais acentuou o verdadeiro ódio que voto a circuitos, rallies e correlativos.
Pois bem ontem morreu mais um piloto desta feita de moto, Luís Salom, de 24 anos, ou seja na flor da vida. O acidente fatal que o vitimou ocorreu nos treinos livres do Grande Prémio da Catalunha Moto2. De novo não o presenciei nos ecrãs televisivos o que não admira porque não vejo as transmissões. Porém de acordo com o que os órgãos da comunicação que depois consultei ter-lhe-iam sido prestados todos os cuidados médicos que desgraçadamente não resultaram. Ainda foi transportado para o Hospital Central da Catalunha onde ainda chegou a ser operado. Debalde.
Se como comecei por dizer nunca gostei do chamado desporto automóvel essa rejeição transformou-se num ódio visceral como também atrás escrevi. Vidas ceifadas aos 24 anos há muitas – há muitíssimas. Se pensarmos no que acontece neste Mundo louco nem é bom ver as estatísticas. E mesmo antes dessa idade, mesmo durante o parto, nem vale a pena ler, ouvir e ler as desgraçadas estatísticas.
Porém Luís Salom corria nas provas de motos porque o queria fazer, porque lhe dava prazer, porque lhe levantava o ego – as razões serão muitas mais; e tinha a consciência de que a cada prova ariscava a vida. Não entrei no seu interior físico, muito menos no psíquico; mas tenho quase a certeza de que devia ser assim. Bem diz o povo que só quem corre por gosto não se cansa.

Porém o piloto espanhol não se cansou – morreu.

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2 Comments:

Blogger bea said...

Para começar: parabéns. É o primeiro homem que leio a reconhecer que não gosta de conduzir e detesta o desporto automóvel. De uma forma geral são afirmações femininas. Digo eu que sou assumida aselha na condução e para quem arrumar carros é uma chatice por falta de percepção das distâncias (a marcha atrás não me faz assim tanta diferença).

São mortes estúpidas essas. E não acredite, nenhum jovem encasqueta que pode MESMO morrer numa prova dessas. A juventude dá uma confiança semelhante ao álcool: faz-nos sentir poderosos e tão pletóricos de vida que a morte só pode acontecer aos outros.

5 de junho de 2016 às 00:03  
Blogger José Batista said...

Olá, Bea.
Não são raros homens que não gostam de conduzir, pelo menos em certas fases da vida. Pela minha parte, sempre que algum dos meus filhos viaja no meu carro, de bom gosto lhes entrego a roda (o volante...). E, relativamente ao que chamam o desporto automóvel, se não estou em erro, um dia li um artigo de Miguel Sousa Tavares em que se interrogava porque é que os bólides da fórmula um não corriam sozinhos, sem condutor, por comando à distância. Quanto a mim, um dia levei os meus filhos, crianças ainda, para vermos a rampa da Falperra (Braga). Tal era o ruído que nem eles nem eu estávamos a gostar. E quando uma das máquinas saiu da estrada e voou de encontro a uma árvore, matando uma ou duas pessoas na queda, acabou, para mim, e suponho que para eles, o "desporto" automóvel.
E lembro-me de, um dia, nos meus saudosos tempos de Coimbra, discutir com um amigo, apaixonado pelos motores, um outro aspecto que sempre me impressionou: o gasto em combustível, em mecânicos e o custo em poluição, comparados com a miséria das populações por onde os veículos passavam. Argumentava o meu amigo que esses testes eram importantes também para se fazerem carros cada vez melhores. E nunca o meu amigo diminuiu a sua paixão nem eu passei a achar-lhe atractivos dignos de nota.
Quanto à sua análise sobre a juventude, ela é absolutamente certeira.
E o artigo de Antunes Ferreira é muito significativo por vir de um homem, sim senhor. Porque se fora de uma mulher, admito que não faltassem sorrisos (machistas) de "condescendência"...

5 de junho de 2016 às 09:50  

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