8.9.16

A guerra colonial e o branqueamento da ditadura

Por C. Barroco Esperança 
Quando Portugal iniciou a guerra colonial em Angola, logo alargada à Guiné e, depois, a Moçambique, já a França estava a acabar de perder a sua (1954/62). O colonialismo francês sofreu, na Argélia, a última derrota. Em Portugal, país atrasado, durou ainda 12 anos, e foi na Guiné que primeiro enterrou as últimas bravatas imperialistas.
 A Argélia francesa foi o mito cultivado que levou um grupo de oficiais a sublevarem-se na sua defesa, quando a guerra já estava inexoravelmente perdida. Foram condenados à morte. De Gaulle comutou-lhes a pena. Foi inútil o sangue derramado.
 Portugal cultivou um mito exclusivo, Portugal, do Minho a Timor, como se a História parasse e a ditadura pudesse perpetuar a guerra injusta, criminosa e votada ao fracasso.
 As coisas são o que são e não o que gostaríamos. Confrange ver o malogrado continente africano, vítima da miséria, ignorância, tribalismo, doenças, fome e guerras. Não possui um único país claramente democrático ou próspero. Angola e Moçambique são ainda os países que mais se aproximam de Estados de direito.
 A tragédia da descolonização, de qualquer descolonização, trouxe sempre sofrimento e injustiças, próprios das revoluções. A descolonização é uma revolução permanente, e a portuguesa foi tão tardia que impediu minimizar o desastre e acautelar alguns interesses legítimos. Houve na colossal tragédia apenas uma epopeia. Tivemos o único exército do mundo capaz de uma retirada gigantesca sem uma única baixa.
 Hão de passar gerações antes de exorcizarmos as atrocidades e de secarem as lágrimas dos inocentes que vieram e das vítimas que lá ficaram, antes de contarmos o que, de um e de outro lado, envergonha e estarrece.
 Hoje, por todo o País, à sorrelfa, vão surgindo praças, ruas e monumentos dedicados aos ‘Heróis do Ultramar’. Não homenageiam os milhares de mortos, os estropiados e os que sobrevivem a sangrar por dentro, todos vítimas da ditadura, que inutilmente se bateram durante treze intermináveis anos. Apenas se procura reescrever a História.
Está em curso uma campanha de branqueamento da ditadura, o apelo emocional a quem se esqueceu da injustiça da guerra, da inutilidade do sacrifício e do sofrimento próprio e da família. É um apelo à desmemória, à emoção dos velhos, para esquecerem os algozes e se deixarem seduzir por uma leitura enviesada e branqueadora da guerra colonial.
 Como antigo combatente, repudio os truques com que se pretende branquear a ditadura e exaltar o «Império, infelizmente perdido». Não há, nunca houve, «heróis do ultramar», há vítimas da guerra colonial. De ambos os lados.
 Como cantávamos no Niassa: «Estou farto deles, estou farto deles…».

Ponte Europa / Jornal do Fundão / Sorumbático

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3 Comments:

Blogger José Batista said...

E no entanto, eu penso que sim, que há heróis para os africanos e heróis entre os militares portugueses ou pelo menos muitos actos heróicos por eles praticados. A noção de heroísmo é que pode variar. Fico com essa ideia, sempre que, na minha "tretúlia" de café, oiço o meu amigo Bastos falar da guerra que ele teve que fazer na Guiné. Ele é a única pessoa que conheço, entre familiares e outros, que é capaz de falar serenamente da guerra que viveu. E a mim parece-me heróico o respeito que ele tinha por todos, homens por si comandados ou os nativos que sempre o trataram bem, e fugiam para ele, ele que sempre tentou gerir o absurdo e a estupidez da ideologia colonial e dos procedimentos decorrentes... E, apesar de lhe morrerem homens, e do medo que disfarçou como pôde, diz com a maior placidez que sempre o ajudou muito a ideia de que matar alguém só mesmo como último recurso em defesa da própria vida.
Não andou mal.

Por outro lado, não é para mim líquido que o subdesenvolvimento do continente africano seja uma consequência linear da ocupação colonial. Obviamente, que eu preferia que a prova ou refutação (desejável) da minha hipótese pudesse ser feita sem que a guerra tivesse existido.

8 de setembro de 2016 às 18:32  
Blogger SLGS said...

Quando as mentes estão monopolizadas por ideias fixas, não vale a pena comentar.
Subscrevo as palavras de José Batista e do seu amigo Bastos. Vivi e senti o mesmo e também cantei o Cancioneiro do Niassa.

8 de setembro de 2016 às 22:03  
Blogger Ilha da lua said...

A ditadura, a guerra colonial, a descolonização fazem parte da nossa história recente e por isso a sua análise ainda abre muitas feridas mal cicatrizadas. Até há bem pouco tempo sempre que se comemorava o 25 de Abril, os analistas(quase sempre os mesmos e da mesma área política)quando falavam da guerra deixavam uma mensagem de vergonha e de culpa no espírito dos portugueses. A sua análise concentrava-se unicamente nas atrocidades cometidas. Atrocidades, que como é óbvio foram cometidas de parte a parte. Infelizmente, (e como podemos observar na actualidade) a guerra desperta nos homens o que têm de mais miserável e de mais sublime. No que diz respeito à guerra colonial, não podemos esquecer todo o trabalho generoso dos combatentes em benefício populações, alfabetizando, ajudando na construção de aldeamentos, prestando cuidados de saúde, etc, etc...E, muito menos, podemos esquecer os actos heroicos prestados em combate para defender não só os seus compatriotas, como também as populações locais. Quer concordemos ou não e por mais injusto que fosse Portugal tinha a soberania das colónias. Esta guerra, como qualquer guerra deixou vítimas, deixou feridas
A revolução de Abril de 74,teve como principal causa o fim da guerra colonial. Num ano 74/75(de governo provisório, em governo provisório, com o poder na rua) Portugal descolonizou todos os territórios ultramarinos. Como não podia deixar de ser também houve vítimas. Não só entre aqueles que tiveram que regressar, deixando para trás mortos e desaparecidos e, todos os seus haveres, como os próprios povos descolonizados cujo futuro foi entregue a movimentos de libertação, que eles não escolheram e os deixou mergulhados em guerras civis mais sangrentas e mortíferas que a de libertação. Por coincidência ou não, todas as colónias foram entregues a movimentos de cariz marxista-leninista. Já, não será para os meus dias, mas fica-me uma enorme curiosidade em saber como julgará a história esta época.

9 de setembro de 2016 às 14:43  

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