Sem emenda - Europa a mais!
Por António Barreto
Os últimos tempos têm sido
penosos para os povos europeus, sobretudo para os países com mais problemas de
instabilidade política, de endividamento, de indisciplina financeira e de menor
desenvolvimento económico. Quer isto dizer que os que se queixam são aqueles a
que a Europa mais falta fazia. A Europa soube (e bem…) reintegrar a Alemanha e
a Itália na democracia, como soube resistir (e bem…) às ameaças comunistas
internas e externas. Mas a sofreguidão integracionista, a ambição alemã e a
ilusão dos intelectuais tecnocratas fizeram com que se não parasse. Cada dia
era “mais Europa” e a cada crise a resposta era “mais Europa”. Jacques Delors
inventou uma parábola: tal como a bicicleta, a Europa, se pára, cai. Com esta
ideia, correu-se para o desastre. A verdade era que, sem parar, a bicicleta corre
o risco de se espetar contra a parede. Estamos nas vésperas desse eventual
acidente. Falta saber se é possível mudar o rumo. Voltar atrás, não. Mas mudar
a trajectória, talvez.
Ao contrário do que se esperava,
a Europa não ajudou à disciplina financeira dos Portugueses. Mas contribuiu
para o endividamento e não colaborou na afirmação da responsabilidade nacional.
A Europa quis andar depressa, estreitar os Estados, “entrosar os povos”, casar
à força e harmonizar o que nunca o deveria ser. As últimas notícias
portuguesas, do Banif ao BPN, do endividamento sem limites às PPP, da CGD aos
orçamentos, mostram uma União sem rédeas. Também é verdade que Portugal se pôs
a jeito. Endividou-se e desgovernou-se. Julgou que a Europa era um projecto de
solidariedade e que estaria sempre ali, generosamente, para nos acudir. Tudo ao
contrário: a União ajudou e depois condenou o desregramento!
Há Europa a mais. Os últimos anos
confirmaram esta evidência. Está definitivamente consolidado o poder da União (especialmente
da Alemanha) sobre o orçamento, os bancos públicos e privados, a Administração,
os projectos de investimento e grande parte das leis. O Pacto orçamental, a que
Portugal pertence desde 2012, constitui apertada tenaz que parece impedir, ao
mesmo tempo, o endividamento, o reembolso e o crescimento. Já nem se pode falar
da mão invisível da União, agora temos um murro na mesa.
Como voltar atrás? Como abandonar
as provisões actuais sobre o orçamento, a despesa, o investimento e o Estado
social? Se fizermos como o PCP e o Bloco querem, é simples. Reclamamos a reestruturação
e o perdão da dívida, não aceitamos imposições nem metas sobre o défice,
exigimos empréstimos e financiamentos, até chegarmos ao ponto, por aqueles ambicionado,
que consiste em sair do Euro, do Pacto orçamental, dos Pactos de estabilidade e
da União…
A Europa ajudou a modular os
países membros e a regular as consequências da globalização. Mas hoje, o mesmo
esforço parece exigir alguma autonomia nacional, o que a Europa parece já não
saber oferecer. Portugal e a Alemanha não devem nem podem regular-se ou defender-se
da mesma maneira.
A Europa transforma ou esbate
identidades. Talvez, mas não parece muito grave. A Europa limita a
independência nacional. Certamente. É difícil, mas poderia ainda aceitar-se,
caso a Europa soubesse substituir-se a algumas funções de Estado. A Europa
condiciona as soberanias e a democracia. É verdade, mas começa a ser complicado,
quem sabe se dramático.
A Europa trouxe democracia a quem
a tinha pouca. Ajudou a receber países que dela se tinham afastado, como a
Alemanha e a Itália. Deu algumas garantias a quem procurava um caminho, como
Portugal e Espanha. Mas também ajudou a hipotecar as liberdades e a democracia
a quem já tinha uma e outras.
O problema é que… fora da Europa
é pior!
DN, 23 de Outubro de
2016
Etiquetas: AMB
1 Comments:
"Tal como a bicicleta, a Europa se para cai" Jacques Delors.
Quem anda de bicicleta sabe que não é assim. Podemos parar por algum tempo para verificarmos se vamos no rumo certo ,mudar de rumo para outro mais conveniente e até travarmos atempadamente perante um obstáculo para evitar males maiores...e, calmamente, continuarmos o caminho...
Pedalar às cegas, tentar passar por cima dos obstáculos, numa fuga para a frente, conduz pela certa, a um total espetanço...
Talvez esteja na hora da Europa abrandar, para puder escolher o rumo certo a seguir.
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