O espectro europeu
Por António Barreto
Por mais que nos esforcemos por
olhar para Portugal, a verdade é que o nosso país não conta muito para o futuro
que se adivinha ou receia. Ao lado dos grandes problemas da actualidade, Portugal
pesa pouco. Muito para nós, mas pouco para o mundo. Ainda por cima, endividados
como estamos, dependemos dos outros. Isto é: da Europa!
É para esta que devemos olhar. É
a Europa que condiciona o futuro do nosso país. Ora, o mau estado em que se
encontra o continente e sua União não é de molde a dar-nos esperança. Pelo
contrário. É possível que, da Europa, venham mais factores de intranquilidade. Ficar
na União já não é o bem maior, é o mal menor!
Na verdade, vivemos hoje os
tempos mais perigosos que a Europa conheceu desde o fim da segunda guerra. Nem
o surto terrorista dos anos setenta é comparável com o momento actual. Com
efeito, havia então capacidade de resposta e não abundava o complexo de culpa.
Os anos anunciavam prosperidade. Em quase tudo (liberdades, progresso,
protecção social e cultura) a Europa revelava força e confiança, era invejada
pelo resto do mundo. Apesar da ETA, do IRA e dos grupelhos esquerdistas com
propensão para o terror, a segurança e o bem-estar eram características
cobiçadas. Ainda mais tarde, o fim do comunismo não provocou medo: foi alegria
e esperança.
Esses tempos estão longe. Hoje, terrorismo
e insegurança são a regra do jogo. A defesa europeia é incipiente. A população
está envelhecida e reage mal ao rejuvenescimento que a imigração poderia
trazer. A pressão dos refugiados da guerra e dos foragidos da fome é enorme e a
Europa não está preparada para os receber, nem para os recusar.
Fora da democracia, direita e
esquerda não estão interessadas em “salvar a União”, antes vêem na crise actual
uma oportunidade para travar o processo de integração e de coesão. Dentro da
democracia, direita e esquerda não revelam capacidade para estancar a crise,
travar os radicais, combater o terrorismo e impedir a xenofobia.
Com excepção da Alemanha, o peso
da Europa no mundo diminui a olhos vistos. O crescimento europeu baixou a
níveis ridículos e não conseguirá mais sustentar o bem-estar e garantir o
Estado social. Será a Europa capaz de vencer as ameaças que sobre ela pairam?
Pergunta de muito difíceis respostas…
A Ocidente, a incógnita da nova
Administração americana desafia todos, pessimistas e optimistas. O Presidente
eleito tem impulsos ameaçadores: abandonar a parceria atlântica; diminuir o
envolvimento militar na NATO; virar-se para dentro, para a América; e olhar
para o Pacífico.
A Sul, a Leste e no Próximo e no
Extremo Oriente, já não é o cerco à Europa do século XVI, é a tenaz e a
asfixia. Há muitas décadas que as fragilidades europeias não eram tão
evidentes. A sua defesa autónoma é quase inexistente. Reduzida à solidez alemã,
a sua capacidade económica e financeira é débil. A sua política é débil e
confusa.
As forças centrífugas ameaçam
tornar-se dominantes. Para ser forte e coesa, a Europa ficou muito aquém. Para
ser forte e plural, a Europa foi longe de mais. Em qualquer dos casos, a União parece
não estar em condições de resolver os seus problemas. Espera por eleições
nacionais em vários países, o que agrava a percepção de que a União não existe
e a cidadania europeia é uma ficção.
Os optimistas acreditam que a
esperança é a última a morrer, que tudo vai correr bem, que há sempre quem
salve os povos das catástrofes e que a razão e o bom senso acabarão por
imperar. Para eles, a Europa vai ressuscitar ainda mais forte. Os pessimistas
pensam que vivemos o crepúsculo da grande civilização ocidental, cristã,
europeia, industrial, liberal e democrática. O que vier a seguir não será bom.
A Europa já acabou. Os cépticos admitem que uma solução razoável possa, em
última instância, surgir e ser perfilhada pela maioria dos europeus, mas que
será apenas a menos má das saídas da crise. A grande Europa está condenada. A
Europa será uma solução de recurso.
Se houvesse alguém, pessoa,
governo ou Estado, com capacidade de convocatória, seria talvez possível que a
Europa e os Europeus pudessem iniciar, sem reservas nem tabus, um processo de
avaliação e refundação da Europa. Essa convocatória poderia começar por
analisar e estudar. Fazer as contas e agir. E perceber que ou há refundação, seja
com quem for, ou há funeral.
O problema é que esse alguém não
existe. Ou não pode. Ou não quer. A Alemanha é suspeita. A França é
irrelevante. A Grã-Bretanha foi tratar da sua vida. A Itália é incapaz. Os
restantes não são sequer ouvidos. Só se a indiferença americana e a ameaça
russa ajudarem…
Diário de Notícias,
29 de Dezembro de 2016
Etiquetas: AMB
2 Comments:
Um texto de profunda lucidez.
Tanta que até faz doer. Especialmente a pessoas como eu, que pertenço ao grupo dos pessimistas.
Parabéns a António Barreto. E obrigado.
Bom Ano.
Este comentário foi removido pelo autor.
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