GRANITIZAÇÃO (algumas notas sobre a origem dos granitos)
Por A. M. Galopim de Carvalho
Já aqui o dissemos, o termo
“granito” surgiu em 1596, criado pelo italiano Andrea Cesalpino (1519-1603),
com base no latim granum, que
significa grão, muito antes das primeiras propostas de explicação da respectiva
génese, das quais merece destaque a do geólogo escocês James Hutton (1726-1797), lembrado como o pai da geologia moderna.
Uma vez que o granito (a rocha que toda a gente conhece e que todo aquele
que foi mal ensinado se limita a dizer, sem saber o que diz, que é “feito de
quartzo, feldspato e mica”) é francamente dominante entre as rochas descritas
como plutónicas, a investigação científica levada a cabo neste domínio
conduziu, naturalmente, à ideia de granitização, entendida como o conjunto dos
processos que conduzem à génese dos vários tipos de granito e de todas as
rochas que lhes são afins, habitualmente referidas por granitóides.
O finlandês Jakob
Johannes Sederholm (1863-1934),
interessado na geologia do Escudo Báltico, estudou um conjunto de
rochas, do Pré-câmbrico local, caracterizadas por exibirem uma alternância de
leitos finos de material granítico e metamórfico, a que deu o nome de migmatitos, e que
explicou como sendo um processo ocorrente em profundidade, na crosta, marcado
pela injecção de um fundido (a que deu o nome de migma) no seio de rochas
metamórficas. Segundo ele, estas rochas metamórficas (em particular, filádios,
micaxistos e gnaisses) e os próprios migmatitos, quando submetidos a
temperaturas mais elevadas, acabam por fundir, originando um magma, num
processo dito ultrametamórfico que designou, em 1907, por anatexia (do grego “anatêxis”, fusão), também conhecido por
palingénese, termo que evoca o acto de renascer (do grego, “pálin”, novamente).
Mais
tarde, o seu concidadão Pentti Elias Eskola
(1883-1964) interessou-se particularmente pelas reacções no estado sólido
(metassomáticas) e pelas, para ele, possíveis migrações iónicas na génese do
granito. Criou e divulgou, em 1920, o conceito de “ichor” (o sangue dos deuses gregos), que imaginou como sendo uma
nuvem de iões rica em sódio e potássio que, em profundidade, penetrava os poros
das rochas por efeito da compressão orogénica, promovendo a granitização.
Porém, a ideia do “ichor” acabou por
morrer, dando lugar à anatexia. Ao granito dito metassomático, opôs-se o
granito magmático.
Duas obras de síntese marcam o interesse pela
geologia e petrologia das rochas graníticas, a meados do século XX. Uma, em
França, “Géologie du Granite” (1946),
de Eugàne Paul Raguin (1900-2001), professor da École Nationale
des Ponts et Chaussées e da École des Mines de Paris, director do Serviço da Carta Geológica de França e presidente da
Sociedade Francesa de Geoquímica. Outra, nos Estados Unidos, “Origine of Granite” (1948), de James
Gilluly (1896-1980), conceitoado geólogo dos United States
Geological Survey.
Cerca de duas décadas mais tarde, o conceituado
geólogo e petrólogo inglês, Herbert Harold Read (1889-1970), distinguido com a
presidência da Royal Society de Londres, propôs, na sua obra “Granites and Granites” (1965), um
esquema no âmbito da orogénese, ou seja durante a formação de uma cadeia de
montanhas, no qual estabeleceu relações espaciais e temporais para as várias
ocorrências de granitóides conhecidas.
Do ponto de vista espacial, considerou, por um
lado, os granitóides gerados em profundidade por anatexia na zona central de um
orógeno, conservados na zona onde se formaram e caracterizados por apresentarem
contactos difusos com as rochas envolventes. Além destes, que apelidou de
autóctones, distinguiu os que ascenderam no interior da crosta, afastando-se da
zona de origem, ascenderam e penetraram ou intruíram as rochas que lhes estavam
por cima, qualificando-os de alóctones ou intrusivos. Read caracterizou estes
últimos por apresentarem limites bem definidos face às rochas encaixantes com
as quais geram auréolas de metamorfismo de contacto (corneanas), pelo que
também os qualificou de circunscritos.
Do ponto de vista temporal, explanou os seus
conceitos relativamente à cronologia de instalação dos granitos no decurso da
respectiva formação da cadeia de montanhas, distinguindo (1) sinorogénicos ou sintectónicos,
os que se formaram durante a orogénese; (2) tardiorogénicos ou tarditectónicos,
os gerados no final desse evento; e (3) pós-orogénicos ou pós-tectónicos, os
surgidos posteriormente a ele.
Além da granitização comum nas raízes dos orógenos
antigos, evidenciada pela erosão, de que temos exemplos no soco varisco do
nosso território, há ainda a considerar a granitização anorogénica, ocorrida em
porções de crosta rígidas e estáveis (cratões e margens passivas), num processo
magmático relacionado com fontes de calor pontuais (pontos quentes?)
testemunhada por pequenos corpos intrusivos (subvulcânicos, intrusões
hipabissais, como lacólitos e outras) como é, por exemplo, o maciço de Sintra.
Nos últimos anos, a compreensão das rochas
graníticas e afins ganhou grande desenvolvimento, em consequência da procura de
explicação das respectivas géneses à luz da tectónica de placas. O estudo da
granitização prossegue actualmente mediante investigação intensiva, sobretudo,
ao nível dos elementos-traço (oligoelementos) e das assinaturas isotópicas.
Neste domínio, destacou-se, entre outros, o trabalho do norte-americano John DuNann Winter, exposto em “Principles of
Igneous and Metamorphic Petrology”, editado em 2009.
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2 Comments:
Mais uma bela lição Professor.
Pertenço ao grupo que aprendeu(quartzo, feldspato e mica...)
Desejo-lhe um Bom Ano e que nos continue a presentear com os seus textos
Obrigado, caro Professor e amigo. Fico-lhe grato por mais esta lição, sobretudo porque fui ensinado (mal) sobre o granito.
Jurava que era “feito de quartzo, feldspato e mica”.
Abraço e Bom Ano.
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