6.2.17

Sem emenda - O Grande Embuste

Por António Barreto
Dentro de dias, começa um curioso ano de comemoração: os cem anos da Revolução Russa. Será um desfilar de colóquios, filmes, livros e programas de televisão. Teremos de tudo e não faltará o elogio beato.

De Fevereiro (que, na Rússia de 1917, era em Março) a Outubro (já em Novembro), será quase um ano em que teremos a oportunidade de recordar e estudar aquele que foi o “maior embuste da história do Século XX”, na expressão de Mário Soares. Após aquele ano de “revolução”, houve outros cinco, ditos de “guerra civil”, revolução para todos os efeitos. Depois, mais vinte de depuração, deportação, limpeza étnica, colectivização e trabalhos forçados aos milhões. Sem esquecer milhares de julgamentos e execuções de políticos, generais, médicos, sindicalistas e escritores! Lenine morre em 1924 e Estaline em 1953. Até à derrota final, em 1989, entre lutas intestinas e saneamentos, sucedem-lhes vários como Kruthchev, Brejnev, Andropov, Chernenko e Gorbachev.

O centenário vai servir para muitas tentativas de branqueamento. Com certeza. Mas também para novos balanços, seja porque a distância ajuda, seja porque os Estados-maiores comunistas já não têm muito poder nem controlam o pensamento, seja porque, finalmente, de Moscovo a Praga, os arquivos se vão abrindo e revelando todos os dias factos novos, por vezes surpreendentes.

Que nos deixou o comunismo como legado de liberdade? Praticamente nada! Como luta de resistência dos comunistas, para bem dos seus direitos, muito! É mesmo do domínio do heroísmo. Mas, para bem da liberdade dos outros, de todos, praticamente nada. Pelo contrário: deixa um dos piores legados modernos de supressão das liberdades, de repressão exercida sobre os cidadãos, de negação radical do Estado democrático, de violação permanente dos direitos humanos e dos mais desumanos métodos de manutenção da ordem, com tortura, assassinato, deportação, rapto e prisão em números que se elevam a muitos milhões. Em todos os países em que um partido comunista dominou o poder, o resultado foi sempre o mesmo: nem liberdade nem Estado de direito.

Que nos deixou o comunismo como legado de independência e autonomia dos povos, outra das suas bandeiras? Por um lado, apoio aos movimentos subversivos e revolucionários do mundo inteiro, desde que em luta contra as metrópoles coloniais, contra as democracias e contra os países do mundo ocidental. Por outro lado, a mais feroz submissão dos Estados, países, nacionalidades, minorias e regiões vizinhas, com o resultado visível da constituição de um dos maiores impérios da história, feito e regulado à força, por intermédio dos métodos mais bárbaros, incluindo deportações massivas, fomes programadas, genocídio e pura opressão. A implosão da União, após a queda do comunismo, é o mais rigoroso certificado de existência do imperialismo soviético. E da sua bondade.

Que nos deixou o comunismo como legado social e económico, tecnológico e cientifico? Uma enorme ficção daquele que poderia ser, com os seus colossais recursos, um dos mais ricos países na Terra e que acabou por só ser poderoso militarmente, mas incapaz de progredir economicamente e de permitir a prosperidade dos seus cidadãos, impotente para o desenvolvimento tecnológico e cientifico, áreas em que esteve sempre atrás dos países ocidentais e com atrasos crescentes até ao desmoronamento final.

É um dos mais seguros sinais do atraso de Portugal: a persistência do Partido Comunista, das suas ideias e do seu programa. Os principais partidos comunistas do mundo democrático desapareceram por entre fumarolas! Parece que apenas dois Estados têm qualquer coisa de parecido com o comunismo soviético: Cuba e Coreia do Norte! Que bela companhia para os Comunistas portugueses!

DN, 5 de Fevereiro de 2017

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7 Comments:

Blogger SLGS said...

Parabéns, Doutor António Barreto, por este seu CORAJOSO artigo. É muito difícil dizerem-se as verdades num país em que ainda há gente que emparelha, como muito bem refere, com Cuba e Coreia do Norte. Mas o grave não é só haver gente, o grave é que essa gente continua, com as mesmas ideias, a impor os seus conceitos e, embora minoritários, a ser atendidos por maiorias complacentes e medrosas, incapazes de dizer não. Todos os dias somos confrontados com esta realidade nos mais diversos aspectos da vida nacional.

6 de fevereiro de 2017 às 16:00  
Blogger Ilha da lua said...

Como democrata, li com agrado este artigo do Dr. António Barreto. Lúcido e rigoroso, com o conhecimento e a autoridade de quem lutou e resistiu a um regime fascista tão cruel e anti democrático como o comunismo. Um intelectual honesto, sem o paternalismo bacoco,(quiçá leviano, utópico, desonesto) com que muitos outros, olham para o PCP.
Gostaria que na comemoração da revolução russa, pudesse assistir nas nossas televisões a entrevistas feitas por profissionais competentes aos dirigentes do PCP e do BE. Que lhes perguntassem, se, por acaso, fossem poder, o PS, o PSD, o CDS poderiam existir como forças políticas. E, já agora perguntarem ao Arménio Carlos se os trabalhadores teriam direito à greve
Nós até já sabemos que não...mas, gostaria de ouvir a resposta deles.

6 de fevereiro de 2017 às 21:18  
Blogger José Batista said...

Enfim, os regimes comunistas, onde quer que existiram, foram, em qualquer perspectiva, um horror.
O que não invalida o facto de muito comunista ter havido que lutou, em fases diversas da sua vida, por um ideal de sociedade justa.
O caso de Arménio Carlos e de outros sindicalistas, que o são ou foram, e estou a lembrar-me de Carvalho da Silva, no contexto socio-económico português, merecem-me não inteira concordância, longe disso, mas alguma simpatia, porque próximos dos trabalhadores.
Já um comunista como Bernardino Soares, que um dia disse que "não tinha a certeza de que a Coreia do Norte não é uma democracia", me parece(u) sofrer de cegueira doutrinária profunda...

6 de fevereiro de 2017 às 22:26  
Blogger Ilha da lua said...

José Batista. Quer o Carvalho da Silva quer o Arménio Carlos são próximos dos trabalhadores porque vivem numa democracia Essa proximidade serve o partido que representam(a luta contra o capital,a luta do proletariado )Se vivessem no regime que defendem(comunismo)seriam eles próprios a calar o descontentamento da classe trabalhadora Basta ler o que se passou na URSS Penso que a cegueira doutrinária deles é semelhante à da senhora Le Pen...e é contra todas essas cegueiras que os democratas devem cerrar fileiras

6 de fevereiro de 2017 às 22:48  
Blogger José Batista said...

Não, Ilha da Lua. Não vejo (qualquer) semelhança entre Arménio Carlos ou Carvalho da Silva e Marine Le Pen. Parece-me que têm mesmo o coração do lado dos trabalhadores e que isso aconteceria, mesmo que não estivéssemos em democracia. De resto, em Portugal, ninguém lutou tão heroica e dignamente contra o fascismo como tantos comunistas. Isso é da História. Agora, reconheço que, se vivêssemos num regime comunista, a sua posição se tornaria algo ingrata, senão para eles, pelo menos para os trabalhadores que genuinamente (penso eu) representam ou representaram.
Aliás, não creio que sirvam de muito ao partido que representam (embora, porventura, o desejem, mas, lembro-me que Carvalho da Silva, nos últimos tempos como sindicalista, já não agradaria ao PCP...), se pensarmos nos votos que o PCP (repetidamente) tem.
Obrigado por dar importância ao que escrevi e por tão clara e costêsmente me contraditar.

7 de fevereiro de 2017 às 09:08  
Blogger José Batista said...

No comentário que fiz anteriormente, na última linha, onde ficou escrito "cotêsmente" devia, obviamente, ter ficado "cortêsmente".

7 de fevereiro de 2017 às 09:22  
Blogger Ilha da lua said...

José Batista
Com todo o respeito pela sua opinião, devo no entanto, salientar o seguinte.
Não foram só os comunistas que lutaram heroicamente contra o fascismo.
No entanto, deixaram essa impressão no imaginário dos portugueses. Apesar de ser do conhecimento público, que a luta deles tinha como objectivo derrotar uma ditadura, para instalarem outra de sinal contrário. Apesar da derrocada do império soviético, apesar de se saber de todas as atrocidades,que por lá aconteceram O PCP continua um partido ortodoxo. Continua a lutar persistentemente para derrubar a democracia, que eles consideram "burguesa", afim de instaurarem uma outra, "a democracia de bases", ou seja a ditadura do proletariado, onde o dito proletariado(não tem voz, nem direitos, e, teria, que obedecer cegamente a meia dúzia de dirigentes.
Quanto aos dirigentes sindicais em causa, se persistissem ,segundo o seu ponto de vista, em manterem " o coração" do lado dos trabalhadores, certamente, seriam saneados e perseguidos pelo sistema, que tinham ajudado a implementar.
Por isso para mim, entre o fascismo da senhora Le Pen e o comunismo...venha o diabo, e, escolha

7 de fevereiro de 2017 às 13:15  

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