ÉVORA, anos 30 e 40. A ESCOLA PRIMÁRIA
Por A. M. Galopim de Carvalho
Visando banir os projectos educacionais da Primeira República, a
orientação política estampada na Constituição de 1933, alterara a formação de
professores, substituíra os programas, adaptando-os à nova ideologia, separara
os sexos, além de que reduzira a escolaridade obrigatória para 3 anos.
Em 1936, com
Carneiro Pacheco no Ministério da Educação Nacional (anteriormente chamava-se
da Instrução Pública), reforçara-se o papel da Escola no controlo ideológico e
orientação política dos alunos, na prevalência do livro único, no culto das
virtudes nacionalistas e no elogio da vida modesta e rural. Nesse ano
assistiu-se à criação da Obra das Mães pela Educação Nacional, organização no âmbito da mesma
ideologia, tendo por objetivo estimular a acção educativa da família, assegurar a cooperação entre esta
e a escola e contribuir, por todos os meios,
para a plena realização da educação nacionalista da juventude portuguesa de então. O fervor
patriótico e o cunho religioso enquadrados na ideologia oficial do Estado Novo
estavam diluídos nas matérias curriculares, nomeadamente, na Leitura, na
História e na Geografia, no propósito de, a partir dos bancos da escola, então
com início aos sete anos de idade, estimular estas virtudes nos homens e
mulheres do futuro.
No meu tempo de escola o ensino obrigatório terminava com o exame da 3ª
classe (3º ano, como agora se diz), certificado por um diploma exigível, por
exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio,
como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser
eleitor. Ler, escrever e contar era tudo o que o cidadão comum necessitava para
fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros
trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima, o
Primeiro Grau, como era chamado, vigorou durante anos. Só mais tarde, em 1960,
ainda sob o mesmo regime, a escolaridade obrigatória para os dois sexos,
aumentou para 4 anos.
No discurso de Salazar proferido em 12 de maio de 1935, na sede da Liga 28
de Maio, Salazar disse “Oiço muitas vezes dizer aos homens da minha aldeia
:«Gostava que os pequenos soubessem ler para os tirar da enxada». E eu gostaria
bem mais que eles dissessem: «Gostaria que os pequenos soubessem ler, para
poderem tirar melhor rendimento da enxada».
Colada à Igreja de S. Mamede (séculos
XIII-XIV e século XVI), classificada como Monumento Nacional (2001), a
Escola Primária, que frequentei, entre 1939 e 1943, ocupando um edifício antigo
mal adaptado e sem o mínimo de requisitos pedagógicos, era sombria, triste e
gélida no inverno. Os professores, quase todos homens, eram severos, chegando
nalguns casos a serem cruéis, criminosos, mesmo, à face da lei actual. A
pedagogia estava na ponta da régua, versão escolar da tradicional palmatória ou
menina de cinco olhos. As reguadas, às meias dúzias e às dúzias, estalavam nas
mãos das crianças “por dá cá aquela palha”, quer por motivos de disciplina,
quer por erros nos ditados, nas contas e em quaisquer outras matérias. Dei entrada
nesta escola, na 3ª classe, aos 9 anos de idade e pude constatar, nas palmas
das mãos, essa realidade. Certamente que havia excepções, mas ficaram-me na
memória alguns nomes que, então, só de pensar neles tremia.
A ideologia do Estado Novo era-nos veiculada através do textos leitura da
1ª à 4ª classes, nas capas de cadernos e livros e, até, nos impressos oficiais
dos diplomas. Na História de Portugal dava-se ênfase às nossas vitórias sobre os
sarracenos, numa cruzada contra os infiéis, e contra os castelhanos, na defesa
da independência nacional, e exaltavam-se os nossos feitos e os nossos heróis.
Na Geografia, o mapa do Império Colonial Português, pendurado na parede,
realçava toda a extensão territorial do Portugal do Minho a Timor. E, para além
de um crucifixo e dos retratos do Dr. Oliveira Salazar e do Presidente da
República, o então General Óscar Carmona, pendurados na parede, frente aos
alunos, havia em todas as salas de aula os quadros murais com “A Lição de
Salazar”, focando as grandes transformações da vida nacional e a grande virtude
da família de condição popular, humilde, mas feliz, amante da Pátria e
abençoada por Deus. A mesma ideologia penetrava, ainda, na escola através das
actividades da Mocidade Portuguesa que, com excepção das marchas do “um, dois,
três, esquerdo, direito” e das paradas ao estilo da tropa, tinham aspectos que
iam ao encontro dos gostos dos rapazes.
Ao contrário de hoje, em que, estupidamente, os programas escolares menorizaram
o grau de aprendizagem das crianças, a escolaridade primária desses anos tinha
um nível de exigência incomparavelmente superior, com notável estimulação da
memória e exercitação do raciocínio matemático, como se demonstra pelo tipo de
problemas que éramos levado a fazer, na 4ª classe e no exame de admissão ao
Liceu: «Um tanque com oito metros de comprimento, por cinco de largura e dois e
meio de fundo, recebe água de uma torneira que debita sessenta e dois litros
por minuto. A meia altura tem uma bica que descarrega a terça parte ... Quanto
tempo...?»…
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2 Comments:
Aprendi esse exercício do tanque. E a somar fracções.
rdacunha
Fui para a instrução primária em 1954,e,penso que os programas pouco mudaram relativamente ao tempo do professorFaziamos exames na terceira e quarta classe e a admissão ao liceu Na verdade o grau de exigência era grande Ainda hoje,me consigo lembrar de muitos textos dos livros de leitura e de problemas que envolviam várias operações,que treinavam o raciocínio...
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