11.10.17

OS “POLITICAMENTE CORRECTOS”

Por Joaquim Letria
Muito antes dos cristais fugirem dos meus ouvidos, roubando-me a paz e o equilíbrio, tinha o hábito saudável de fugir de casa naquele período da morrinhanha em que todos se queixam do regresso inconsolável das férias. Tinha eu, então, o hábito de praticar estadias fraternas, com bons amigos, calorosos vinhos, presunto único, angulas ilegais, gargalhadas explosivas e havanos ao preço de Espanha, mas puríssimos, de Vuelta Abajo, Cuba.
Como as noites, antes do mais, sempre me foram propícias ao belcanto, ao doce envolvimento dum concerto ou ao prazer duma boa peça de teatro e naquela época quer o West End londrino, quer a Broadway nova-iorquina não apresentavam ainda nada de novo ou prévio às minhas últimas deambulações, não hesitei em escolher Madrid como destino, cidade amiga prenhe de vida e de velhos amigos sempre bons de rever.
Comecei a comprar jornais e revistas para escolher com critério e fazer uma pré-programação a fim de telefonar para o Frederico, meu “bellcaptain” há mais de 40 anos , para ele me reservar o quarto do costume e me marcar os bilhetes dos espectáculos para as datas previstas, não fosse o Diabo tecê-las.
Foi nesse afã, que me despertou a curiosidade uma declaração dum grupo de vereadores de Madrid, na qual se pedia que fosse retirada de cena do “Teatro Español” a peça “El Guerrero del Antifaz” pelo seu conteúdo violento e racista e por ser anunciada pela “imagem dum cavaleiro cristão matando sarracenos”, pecado que ainda hoje estou em crer que os povos da Península nunca praticaram.
Descobri então uma crítica que me esclareceu que o enredo se passava entre as claques “Frente Atlético” e “Ultra Sulistas” que estão para o Atlético de Madrid e para o Real Madrid como a “Juve Leo” e os “No Name Boys” estão para o Sporting e para o Benfica. A peça era um musical, cheio de hinos, palavras de ordem que se escutam nos estádios, musical muito movimentado e que acabava com todos abraçados numa grande festa merengue.
O interessante desta história que recordo agora é o facto de tanto em Portugal como em Espanha os “politicamente correctos” emprenharem pelos ouvidos sem que quem mais barulho faz se dê ao trabalho de saber do que é que está a falar. Lêem de ouvido e ouvem de orelhas moucas. A companhia do “Teatro Español”, rindo-se a bom rir, responderia que não via razão para retirar uma peça destinada à juventude, depois de já ter levado à cena “As Mocidades de Cid” e “A Vingança de Dom Mendo”.
Aposto que ninguém dos “politicamente correctos” se deu ao trabalho de ir ver que peças eram estas, já que aquelas cabecinhas as deviam ignorar. Pelo im, pelo não, juntei em boa hora o “Teatro Español” à lista de bilhetes para o meu amigo Frederico me reservar. Ainda bem, porque me diverti muito com o espectáculo.

Publicado no Minho Digital

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1 Comments:

Blogger 500 said...

E que diz o Joaquim sobre a eventual independência, republicana, da Catalunha?

11 de outubro de 2017 às 19:16  

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