4.10.17

PONTA DA PIEDADE (LAGOS) - PARECER



Por A. M. Galopim de Carvalho
Importante pólo de atracção turística, a Ponta da Piedade, cerca de 3 km a Sul de Lagos, no extremo ocidental da baía de Lagos, é um imponente exemplo de geomorfologia litoral, onde o mar esculpiu uma paisagem rochosa de grande fragilidade, não devendo sermos nós a destruir aquilo que a Natureza lentamente nos concedeu. Fruto da intensa carsificação do local, podemos observar, no pormenor, a interminável dialéctica, de há milhões de anos, entre a terra e o mar, bem expressa nas suas arribas escarpadas, pilares, pontas e arcos rochosos, túneis e grutas (visitáveis por barco), numa escultura rendilhada na rocha, em tons de amarelo acastanhado, por vezes, avermelhados, com pequenas praias em algumas das suas reentrâncias, num feliz contraste com o verde turquesa do mar.

A par desta lição de geomorfologia litoral, podemos fruir uma outra, no âmbito da geologia, mais precisamente, a que nos conta parte significativa da história geológica mais recente do Algarve, cuja idade podemos situar entre 10 e 20 milhões de anos. Conservada nesta parte ocidental da província, sob a forma de camadas sub-horizontais, essa história pode ser lida nas respectivas rochas, essencialmente areníticas, algo argilosas, com abundantes bioclastos (fragmentos de conchas e carapaças de moluscos, equinodermes, entre outros) e escasso cimento de natureza calcária (carbonatado).

Tendo em conta estas potencialidades, favoráveis ao turismo de Natureza, a Ponta da Piedade é uma pérola na paisagem natural algarvia, a preservar. A intervenção em curso, desencadeada pela Câmara Municipal de Lagos, descaracteriza o local e desrespeita a sua riqueza ambiental, gerando em cascata um conjunto de situações que, serão futuramente difíceis resolver. Ao interferir com a drenagem das águas pluviais na superfície horizontal da plataforma e na rede de diaclases, vai modificar, artificializando, as condições naturais que criaram esta paisagem, e artificializar, neste caso especial, significa destruir.

Lisboa, 16 de setembro de 2017
António Marcos Galopim de Carvalho
(Professor Catedrático de Geologia jubilado, da Universidade de Lisboa)

Nuno Lamas Pimentel

(Professor Associado de Geologia, com Agregação, da Universidade de Lisboa)

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3 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Actualmente, Lagos é gerida por pessoas de fraca cultura — nomeadamente democrática, cultural e científica.
Os munícipes são de uma apatia proverbial, votando segundo as preferências partidárias e não em função dos casos como este, que nada lhes dizem.
.
O reforço eleitoral da actual maioria vai acrescentar arrogância à arrogância e estupidez à estupidez.
Sentir-se-ão mandatados para destruir a Ponta da Piedade com a mesma ligeireza e impunidade com que destruíram a D. Ana e muitas outras coisas.

4 de outubro de 2017 às 19:00  
Blogger Ilha da lua said...

O grande problema é o dos eleitores votarem nas autárquicas,segundo as suas preferências partidárias,e não nos candidatos que tenham um melhor projecto para os municípios Por isso,vemos cada vez mais surgirem candidaturas independentes.Infelizmente,a falta de debate político,não ajuda a uma maior sensibilização dos munícipes para as atrocidades,que se cometem contra a natureza é contra o património

4 de outubro de 2017 às 20:09  
Blogger José Batista said...

O nosso povo precisava de ir (de ter ido) à escola. Mas também era preciso que a escola funcionasse (agora como no passado). E antes de tudo era preciso que a mentalidade do nosso povo privilegiasse a racionalidade e respeitasse o conhecimento científico. Mas nada disso se verifica. Nem me parece que caminhemos ao ritmo adequado na direcção certa (embora as coisas tenham melhorado um bocadinho - tenho fé nos jovens com qualidade que fugiram do país, esperançado em que muitos deles regressem mais tarde ou mais cedo, modificando o maralhal, quer pela preparação quer pela influência de quem viu mundo...)
Até esse dia somos um país «isaltinado».

5 de outubro de 2017 às 23:22  

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