PONTA DA PIEDADE (LAGOS) - PARECER
Por A. M. Galopim de Carvalho
Importante pólo de
atracção turística, a Ponta da Piedade, cerca de 3 km a Sul de Lagos, no
extremo ocidental da baía de Lagos, é um imponente exemplo de geomorfologia
litoral, onde o mar esculpiu uma paisagem rochosa de grande fragilidade, não
devendo sermos nós a destruir aquilo que a Natureza lentamente nos concedeu.
Fruto da intensa carsificação do local, podemos observar, no pormenor, a
interminável dialéctica, de há milhões de anos, entre a terra e o mar, bem
expressa nas suas arribas escarpadas, pilares, pontas e arcos rochosos, túneis
e grutas (visitáveis por barco), numa escultura rendilhada na rocha, em tons de
amarelo acastanhado, por vezes, avermelhados, com pequenas praias em algumas
das suas reentrâncias, num feliz contraste com o verde turquesa do mar.
A par desta lição de
geomorfologia litoral, podemos fruir uma outra, no âmbito da geologia, mais
precisamente, a que nos conta parte significativa da história geológica mais
recente do Algarve, cuja idade podemos situar entre 10 e 20 milhões de anos.
Conservada nesta parte ocidental da província, sob a forma de camadas
sub-horizontais, essa história pode ser lida nas respectivas rochas,
essencialmente areníticas, algo argilosas, com abundantes bioclastos
(fragmentos de conchas e carapaças de moluscos, equinodermes, entre outros) e
escasso cimento de natureza calcária (carbonatado).
Tendo em conta estas
potencialidades, favoráveis ao turismo de Natureza, a Ponta da Piedade é uma
pérola na paisagem natural algarvia, a preservar. A intervenção em curso,
desencadeada pela Câmara Municipal de Lagos, descaracteriza o local e
desrespeita a sua riqueza ambiental, gerando em cascata um conjunto de
situações que, serão futuramente difíceis resolver. Ao interferir com a
drenagem das águas pluviais na superfície horizontal da plataforma e na rede de
diaclases, vai modificar, artificializando, as condições naturais que criaram
esta paisagem, e artificializar, neste caso especial, significa destruir.
Lisboa, 16 de
setembro de 2017
António Marcos Galopim de
Carvalho
(Professor Catedrático de
Geologia jubilado, da Universidade de Lisboa)
Nuno Lamas Pimentel
(Professor Associado de
Geologia, com Agregação, da Universidade de Lisboa)
Etiquetas: GC
3 Comments:
Actualmente, Lagos é gerida por pessoas de fraca cultura — nomeadamente democrática, cultural e científica.
Os munícipes são de uma apatia proverbial, votando segundo as preferências partidárias e não em função dos casos como este, que nada lhes dizem.
.
O reforço eleitoral da actual maioria vai acrescentar arrogância à arrogância e estupidez à estupidez.
Sentir-se-ão mandatados para destruir a Ponta da Piedade com a mesma ligeireza e impunidade com que destruíram a D. Ana e muitas outras coisas.
O grande problema é o dos eleitores votarem nas autárquicas,segundo as suas preferências partidárias,e não nos candidatos que tenham um melhor projecto para os municípios Por isso,vemos cada vez mais surgirem candidaturas independentes.Infelizmente,a falta de debate político,não ajuda a uma maior sensibilização dos munícipes para as atrocidades,que se cometem contra a natureza é contra o património
O nosso povo precisava de ir (de ter ido) à escola. Mas também era preciso que a escola funcionasse (agora como no passado). E antes de tudo era preciso que a mentalidade do nosso povo privilegiasse a racionalidade e respeitasse o conhecimento científico. Mas nada disso se verifica. Nem me parece que caminhemos ao ritmo adequado na direcção certa (embora as coisas tenham melhorado um bocadinho - tenho fé nos jovens com qualidade que fugiram do país, esperançado em que muitos deles regressem mais tarde ou mais cedo, modificando o maralhal, quer pela preparação quer pela influência de quem viu mundo...)
Até esse dia somos um país «isaltinado».
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