30.11.17

Linguagem e ideologia


Quem se considera democrata não pode condescender com o uso de palavras que, de tão habituais, deixaram de merecer reparo. As palavras tanto servem para exprimir ideias e narrar factos como para ocultar as primeiras e desvirtuar os últimos, ao serviço de uma ideologia.
A condescendência com a designação de Guerra do Ultramar, como referência à Guerra Colonial, ou antigo regime, em substituição de ditadura fascista, revela uma desatenção à reescrita da História. Quem as usa não é inocente, e quem as tolera torna-se cúmplice. É um artifício semântico para branquear a guerra criminosa que a ditadura impôs.
Ultimamente começaram a homenagear-se os “Heróis do Ultramar”, sob a militância da Liga dos Antigos Combatentes e a cumplicidade de sucessivos ministros da Defesa. Não há heróis do ultramar, há vítimas da guerra colonial. Seria, aliás, injusto que nos 14 anos de sofrimento imposto a 510.134 militares portugueses se excluíssem da guerra inútil as vítimas do outro lado, que se bateram pela libertação dos seus povos, e cujo número se ignora. Todos fomos vítimas do mesmo desvario, da demência fascista da ditadura.
Se acaso anuíssemos à retórica fascista, que Portugal ia do Minho a Timor, não teríamos lutado na ‘guerra do Ultramar’, mas numa guerra civil. Partilho o respeito que merece a geração sacrificada com 7.481 mortos, 1.852 amputados, 220 paraplégicos e um número incontável dos que continuam a sangrar por dentro e a dormir em sobressalto.
Houve atos de generosidade, coragem e humanismo na guerra colonial, incluindo os de quem não tinha formação para questionar a guerra e julgava defender a civilização cristã e ocidental, proclamada pela ditadura e corroborada pelo cardeal Cerejeira.
Também houve essas virtudes em soldados de todas as guerras, nas mais criminosas ou infamantes, e não podem ser celebrados heróis nos países derrotados. Portugal também acabou derrotado, “orgulhosamente só”, ou pior, acompanhado dos governos racistas da África do Sul e da Rodésia, como únicos aliados.
Foi a falta de consciência democrática que permitiu a Cavaco Silva dar pensões a pides, condecorar com a Medalha de Comportamento Exemplar do Comandante do Corpo de Fuzileiros de grau Ouro, já em 2010, Alpoim Calvão, que, após o 25 de Abril, liderou o terrorismo fascista, e reintegrar no ativo e elevar a CEMGFA o gen. Soares Carneiro, o candidato do PSD/CDS a PR, derrotado por Eanes, tendo no seu passado o comando do sinistro Campo de S. Nicolau, em Angola.
Quando adormecem os democratas, despertam os fascistas. Na Alemanha já entraram no Parlamento os que exaltam o heroísmo dos militares nazis, durante a guerra.

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3 Comments:

Blogger opjj said...

Com que direito fala em nome dos combatentes? Tanto mais que não esteve no campo de batalha.Vê-se que tem uma obsessão persecutória e facciosa do caso.
Nos meus contactos e são muitos, nunca senti que algum combatente se referisse ou expressasse com tais subtilezas de palavras que tanto o indignam e preocupam!Eu tanto digo Guerra do Ultramar ou Guerra Colonial e não me afetam o cérebro.
V.Exª só tem maldade na sua cabeça.Só pode ter conivências políticas e vive debaixo do chapéu do Estado.Mal iria o país se governados por Boaventuras, Raquéis,Maduros ou similares!

30 de novembro de 2017 às 18:32  
Blogger Carlos Esperança said...

Senhor OPJJ:

Não sou um anónimo escondido atrás de uma vogal e 3 consoantes.

Tenho o meu currículo na NET com a foto dos meus quase 75 anos.

Estive 26 meses em zona de guerra, em Moçambique, e passei 4 anos e 4 dias na tropa. Perdi um soldado e morreu-me nos braços um outro camarada.

Sei o que foi a ditadura fascista e tive de abandonar a função pública, estando reformado de uma empresa privada.

Espero continuar a tê-lo como leitor.

1 de dezembro de 2017 às 00:20  
Blogger opjj said...

Não sou anónimo,trata-se de um acrónimo.
Se não me copiou, estou dentro da sua descrição, quer de tempos e locais,apenas com mais mortos e feridos.Por sinal estou vivo porque um óbus resolveu não deflagrar a 2 metros de mim, enterrado deixando apenas a cabeça de fora.
Porque nunca fui militante de nada sofri as consequências antes e depois de 1974. À cabeça o PS que só serve os seus arregimentados e espezinha e seca tudo à sua volta.Pode fazer do pior que tudo lhe é perdoado."Compreendo",foi sempre quem deu mais.
Outros que antes berravam, agora encolhem-se com desfaçatez.Veja-se o caso dos professores,uma real canalhice. O Nuno Crato, comparado, foi um Santo.Resolveu todas as falhas do sistema.
Questão importante, as épocas ou eras são isso mesmo, pelo que, o mundo se vai transformando.

1 de dezembro de 2017 às 17:39  

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