23.2.18

Pátria Amada

Por Joaquim Letria
A minha Pátria Amada não se pode circunscrever só à língua portuguesa. Alargando o território da Pátria, para nele caberem, a par da gramática, a liberdade e a justiça, posso então compreender o exílio em Lancelote  de José Saramago, o regresso tardio de Eduardo Lourenço, a persistência londrina de Paula Rego, o apego parisiense de Manuel Cargaleiro e as visitas ocasionais de António Damásio.
Só pela relação entre o mal que se sofre e o bem que sabe se pode entender completamente a injustiça de Luandino em Cerveira, Pepetela no Porto, Craveirinha em Sintra, Mia Couto em Lisboa. Também para eles a língua portuguesa não é uma Pátria Amada. É um instrumento que concede um visto consular. Não é uma certidão de nascimento narrativa completa. É uma gramática, uma sintaxe, uma arma branca para suportarem a retórica e resistirem às vicissitudes burocráticas dos revisores da História.  
Quando há anos Rosa Casaco, o inspector da polícia política da Ditadura, veio a Portugal e deu uma entrevista, a fingida indignação pela visita dum PIDE não foi verdadeira. Foi apenas a raivinha de quem se vê descoberto nas cumplicidades escondidas com que se compra a brancura dum passado mil vezes apagado a borracha e rescrito sobre o alvo corrector com que se borraram compromissos e esconderam indignidades.
Até agora foi como se o fascismo não tivesse existido. Os demónios são ainda o Gonçalvismo e o Cavaquismo, um e outro alibis de mau pagador, de arrependidos da História, de ”pintados de fresco”, de almocreves de regimes, de comissionistas do situacionismo de turno.
Reciclados em cursos intensivos, “work shops” e cursillos da política festiva, servis trintanários, subservientes serventuários de poderosos capazes de farejar as mudanças, jamais deixaram de se servir desse território que é a Pátria Amada, qualquer que sejam as regras gramaticais e o sotaque dominante. Nas línguas e dialectos com que se apresentem, por mais vítimas do gonçalvismo ou espoliados do cavaquismo que se arvorem e apresentem, nunca deixarão de ser os bastardos do fascismo. Muito simplesmente.
Publicado no Minho Digital

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3 Comments:

Blogger opjj said...

Todos os enumerados por V.Exª no seu 1º parágrafo, uns foram à procura do seu viagra,sim o Sol e até o ambiente ajudam.Outros o bem bom da cidade luz e apenas um com a sua inteligência procurou as condições dadas por um país evoluído.
Sobre o Cavaquismo,V.Exª bem sabe que foi o período que Portugal mais cresceu e proporcionou a muitos mais qualidade de vida; com alguns erros certamente.
Recordo que o período pior foi quando Soares foi 1º ministro, dizia-se até que sobrava mês.
CUMPS.

23 de fevereiro de 2018 às 19:32  
Blogger Ilha da lua said...

Este comentário foi removido pelo autor.

23 de fevereiro de 2018 às 22:11  
Blogger Ilha da lua said...

Infelizmente,para a democracia,o que mais se vê por aí,são os “ pintados de fresco”. Perdeu-se a verticalidade.E,na voragem dos dias,o importante é não perder o comboio.

23 de fevereiro de 2018 às 22:16  

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