20.2.18

Tudo sobre Elina Fraga

Por Ferreira Fernandes
Devem ser das palavras mais sábias: "Não percebo..." Assim, com reticências, que é a forma sábia de sublinhar que se admite que deve haver por aí uma resposta, mas eu não sei qual. 
Aconteceu-me tantas vezes nesta profissão em que me pagam para escrever, não perceber. E é tão importante. Algumas vezes, poucas, mandaram-me cobrir congressos de partidos e eu, de lá, mandava dizer o que via: a autoridade e solidão de Mota Amaral, a frouxidão de Seguro, a perfídia brilhante de Portas, o tanto que Marcelo gosta de si... 
Aparentemente este género tão subjetivo de olhar para os protagonistas dos congressos nunca foi muito popular entre os meus diretores quando tocava mandar cobrir aqueles fins de semana que empolgaram sempre as redações e bastante menos o país. Tenho de admitir que o desdém talvez fosse fundamentado: eu não entendia as moções, escapavam-me os jogos de bastidores. Mas continuo a achar que num lugar onde se escolhem os chefes dos partidos vocacionados para mandar no país, nos congressos partidários, o mais interessante é caçar os protagonistas ou, ainda mais, assinalar os mistérios. Ah, estes últimos, o acidente, o acessório, o epifenómeno que sai da cartola como quem não quer a coisa... E, de repente, toda a gente a falar dele (ou dela) - houve vaias, deu indignações ("traição!", disse ex-ministra) e levou Marques Mendes a fingir o espanto: "Mas porquê Elina Fraga?!" 
No estrebuchar que se seguiu encontraram-se logo investigações em andamento e anátema fácil: "Populista!" Recolham pois o acidente, o acessório e o epifenómeno: há razões maiores para esta propulsão, tanto mais que a senhora vem de um setor pestífero, a justiça. 
Tal como um esquecimento é tantas vezes um sintoma de boa memória, dizer-se "não percebo" para a escolha de Elina Fraga revela que se percebe bem demais porque ela foi escolhida. É aí que eu estou: aqui há gato. Eu não sei ainda é qual.
DN de 20 Fev 18

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