4.2.18

Sem emenda - Não somos todos iguais

Por António Barreto
É uma das frases mais ouvidas nos tempos que correm. “Eles são todos iguais”! Na ladroagem, na corrupção, na mentira, nas cunhas, no nepotismo e na trafulhice! “São todos iguais”! É o que se ouve nos cafés suburbanos, nas leitarias das avenidas novas, nas casas de chá de Cascais e da Foz, nos táxis e nos estádios de futebol: “São todos iguais”! Na fuga ao fisco, no tráfico de influências, no emprego para os amigos, nas autorizações legais e nos subsídios europeus: “São todos iguais”!
O quadro da caça é impressionante. Entre arguidos, condenados, em julgamento, em recurso, em preventiva, sob escuta telefónica, com SMS sob vigilância, com e-mails controlados, indiciados e com termo de residência, entre todos, todos juntos, são mais que muitos! De todo o género. Já havia membros do governo, do primeiro-ministro a ministros e a secretários de Estado. Directores gerais e secretários gerais de ministério; consultores e conselheiros; assessores e chefes de gabinete; chefe de polícia, agentes das várias polícias e guardas de outras; administradores de empresa privada e pública; gestores e proprietários; banqueiros e bancários; funcionários de vários ministérios e organizações. Poucos faltavam. Esta semana, algumas lacunas foram preenchidas: desembargadores, juízes, procurador, oficial de justiça, advogados e mais uns agentes da polícia! Presidentes de clube de futebol e dirigentes desportivos já não são novidade. O bouquet completa-se! E lá se volta a ouvir: “eles são todos iguais”! Afinal de contas, bem queria parecer, são todos mesmo iguais, até juízes, procuradores e desembargadores, as últimas linhas de defesa do Estado de Direito!
Começa a ser difícil contrariar o preconceito e o rumor. Mas não é verdade! Não! Não são todos iguais! Há gente honesta. Há profissionais e empresários competentes e sérios. Há funcionários e gestores zelosos e honrados. Há trabalhadores cumpridores. Há advogados, juízes e polícias sérios. Olhemos à volta de nós. Não é difícil encontrar gente séria, pessoas honradas. Mesmo nestes tempos de gelo em que se pensa que o cinismo chegou tão longe que a honestidade é já a suprema maneira de aldrabar! Não é verdade, não somos todos iguais!
Mas fica qualquer coisa de assustador. Quantas mais bagatelas serão necessárias para escurecer o horizonte, desviar atenções, relativizar a grande criminalidade de colarinho branco, aceitar que são todos corruptos e que, por conseguinte, não há crime, nem culpa? Quantas mais anedotas e provocações são precisas para ofuscar e ocultar o grande crime económico e político?
O caso do ministro que alegadamente pediu ou aceitou dois bilhetes para ir ver o futebol e o do secretário de Estado que alegadamente ficou com 400 euros de livros fazem parte da picardia imbecil e do ridículo que impedem que se veja a real criminalidade, que retiram crédito e que matam a esperança de ver um dia os processos chegar ao fim. Nunca saberei se foi acaso idiota ou conspiração dolosa.
A criminalidade chique, de colarinho branco, dos negócios escuros e dos montantes colossais é tão sofisticada que, em muitos casos, jamais serão descobertos os grandes criminosos… Descobertos talvez, julgados poucas vezes, condenados quase nunca! São necessários meios gigantescos, experiência, competência, muito treino, equipamento avançado e leis especiais, que em geral não estão ao dispor das instituições! Na maior parte dos casos, há um crime original, escondido, seguido de centenas de gestos absolutamente legais, sem mácula… Provar o primeiro como demonstração dos seguintes é quase impossível!
Por isso é grande a inquietação: como são todos iguais, como quase nada se pode provar, como são todos uns trafulhas, nada se julga, nada chega ao fim, ninguém é culpado, ninguém é responsável! E os verdadeiros criminosos escapam!
Clubes de futebol rivais, empresas adversárias, bancos competidores, partidos concorrentes, igrejas, cultos e lojas continuarão a sua vidinha a coberto de mega processos sem fim e desta resignada crença de que somos todos iguais! Desta farsa em que um submarino vale um livro, uma auto-estrada vale um telemóvel e uma empresa de telecomunicações vale um bilhete para o futebol!

DN, 4 de Fevereiro de 2018

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