EU TENHO DOIS LEITORES
Por Joaquim Letria
Aqui há tempos comecei um
destes textos recordando a canção de Tony de Matos que falava de vidas que são
“dois caminhos paralelos”. Hoje, contraponho ao “tenho dois amores” do Marco
Paulo a certeza de que “tenho dois leitores.”
Com todo o respeito por
aqueles mais que possam existir e alguns outros que, ao que sei, me lerão em
paragens longínquas, estes dois, que eu sei que tenho, são os meus leitores. É
para eles que escrevo, é neles que penso quando me entrego a esta disciplina de
alinhar as palavras e exercitar os neurónios com a formação de frases com
sentido. Eles os dois, sem saberem, ajudam-me muito.
Penso neles e escrevo-lhes
como nas antigas cartas, quando ainda não havia e-mails, SMS nem MMS. É uma espécie
de “espero encontrá-los de saúde, que
nós por cá todos bem”. E então lá entro nos assuntos que porventura
poderão interessar-lhes e imagino-os a lerem, com sentido crítico, como deve
ser.
Não os conheço
nem eles a mim. Apenas nos encontramos aqui, nestes textos e respectivos
comentários a que não sei corresponder. Mas sinto que gostamos uns dos outros,
a ponto de dizermos a verdade entre nós.
Quando me
empurraram para a frente das câmaras de TV e de cinema, eu pensava no senhor
Ramos da papelaria, que me vendia bisnagas para eu brincar ao Carnaval. E
conversava com ele. Era para ele que eu falava na TV.
Na Rádio
conversava com a D. Etelvina, que apanhava malhas de meias de vidro por detrás
da janela do seu rés do chão. Falei sempre para alguém, tal como agora escrevo
para estes dois queridos leitores.
Nos estúdios
subterrâneos de Bush House, em Londres, eu falava e interrogava-me, no crepitar
das ondas curtas, se alguém me estaria a ouvir. A BBC garantia-me que sim. Mas
eu tive as minhas dúvidas até, estupefacto, descobrir que nas matas libertadas
do PAIGC na Guiné, e em Moçambique nas áreas da FRELIMO de Cabo Delgado me
ouviam tanto e me conheciam tão bem quanto as nossas tropas em todos os teatros
de operações.
Agora escrevo no
Minho Digital, mas seja lá ou no blogue Sorumbático, onde os meus textos fazem
ricochete, sei que tenho a Ilha da Lua (para mim é Luna) e o José Baptista a
lerem-me e a incentivarem-me, como aqueles populares que à beira da estrada
gritam e atiram água aos ciclistas.
Escrevo-lhes
assim, sem estampilha nem remetente, como acabo agora de fazer aqui. Mas
escrevo-lhes com muita e sincera estima. Não se vão livrar de mim tão depressa.
A menos que me mandem passear.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
5 Comments:
Joaquim Letria
Hoje, quando passei pelo Sorumbático, fui surpreendida, com esta sua crónica.Para dizer a verdade, não fiquei só surpreendida... fiquei sensibilizada.
Na verdade, o Joaquim Letria não me conhece. Já o inverso não é verdadeiro. Embora, não o conheça pessoalmente,conheço-o dos programas televisivos. Quem da geração de sessenta não o conhece? Quem não se lembra do "Tal e Qual", do "Directíssimo? Quem não se lembra dos seus artigos em vários jornais e revistas? Fui seguindo o seu percurso jornalístico, televisivo, radiofónico. Na minha estante também tenho três livros que publicou. Depois, como diz a canção,mudam-se os tempos ,mudam-se as vontades...e, esteve uns tempos desaparecido.
Foi, pois, com muita alegria, que o reencontrei, aqui, no Sorumbático.
Tenho pena, que, nenhum canal televisivo se tenha lembrado de si, para fazer um programa, para as pessoas da geração de sessenta! Certamente, teria uma grande audiência, uma vez que a esperança de vida aumentou. Ainda, são muitos, os que viveram uma época que passou por importantíssimos acontecimentos históricos. Ainda são muitos aqueles que gostariam de passar uma mensagem de esperança às novas gerações, para que cuidem e preservem a democracia, que tanto custou a instaurar.
Também, não se livrará de mim, como sua leitora
Também eu estou MUITO sensibilizado pela crónica!
Mas o número de leitores é muito maior, como se verá no próximo 'post', em que afixarei os últimos valores das estatísticas.
Caríssimo Joaquim Letria
Hoje tenho uma queixa de si, que apresento a si: duas lágrimas teimosas acabam de rolar pela minha face, e a culpa não é só minha, ou, se é, preciso de me desculpar com alguém...
Ainda há umas pessoas que gostam de ler textos bem escritos. E os seus, eu não gosto de os perder.
Diz Ilha da Lua que faz falta na televisão para a geração de 60, eu penso que faz falta para todas as gerações, que aquilo por lá anda bastante espalhafatoso e supérfluo para o meu gosto, pelo que deixei de ver...
Cá fico à espera das suas crónicas (sabe, tenho uma cunhada que, sendo de Paredes de Coura, fez quimioterapia em Viana do Castelo e como lá não há radioterapia, que anda a fazer agora, tem que ir ao hospital de Braga, pelo que gosto que alguém com voz chame a atenção para aquela coisa de gastar milhões para deitar um prédio abaixo, quando o dinheiro seria muito melhor empregue a equipar o hospital, por exemplo. Agradeço a sua luta)
Deixo-lhe um abraço.
Nota: permite-me que publique o seu texto num dos meus blogues, que nem sequer tem dois leitores? Obrigado, por tudo.
Pelo que acabei de afixar, pode o amigo Letria ver que não tem apenas 2 leitores. Só ontem, houve 405 que acederam à sua crónica, mesmo que não a tenham lido todo.
E a média de visitas está a ser de 590/dia.
(...) nas matas libertadas do PAIGC na Guiné, e em Moçambique nas áreas da FRELIMO de Cabo Delgado me ouviam tanto e me conheciam tão bem quanto as nossas tropas em todos os teatros de operações.
Em Angola, muito pelo contrário, era completamente impossível sintonizar a BBC em português. Não se apanhava rigorosamente nada. Eu era um ouvinte diário em Portugal antes de ser mobilizado para a guerra colonial, e bem me esforcei em Angola por ouvir as vozes de Joaquim Letria, António Cartaxo, Edith Philips, António de Figueiredo e outros. Completamente em vão. Só conseguia ouvir a BBC em inglês que, essa sim, chegava em condições bastante satisfatórias.
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