6.5.18

Sem emenda - A corrupção e suas variedades

Por António Barreto
O mais provável é que o PS esteja a caminho do fim. Não por causa da adesão ao mercado, nem pelo seu entusiasmo com a frente de esquerda. Mas sim por causa da corrupção, que o PS nunca condenou claramente, sobretudo a sua e a dos seus amigos. O caso Sócrates, a que se acrescentaram tantos outros, está agora a mostrar contornos difíceis de apagar da memória. O caso PT, bem anterior, já tinha deixado feridas e cicatrizes profundas. Os casos Pinho e EDP, que ainda agora vão no adro, revelaram-se de tal maneira letais que será difícil convencer quem quer que seja que membros deste governo não tiveram nada a ver com o governo Sócrates, nesta que é talvez a maior derrota da democracia desde há mais de quarenta anos.
O PS não está a tratar da “espuma dos dias” nem de pequenas circunstâncias, como sejam o pagamento a dobrar de ajudas de custo e outras “bagatelas”. O PS está a ocupar-se de uma questão muito séria: a do seu envolvimento em processos de corrupção política de grande escala e a do seu silêncio diante da actuação dos seus dirigentes. Com a corrupção, o PS está a tratar da sua natureza contemporânea, não apenas de uma circunstância excepcional.
O PS nunca foi muito claro na sua atitude perante a corrupção. Condenou a dos seus adversários, fez o possível por disfarçar a sua. Ou garantir que eram apenas casos de justiça. Pior: desculpou a corrupção com uma ideologia barata, a da ética republicana! O que isso quer dizer é estranho. Como se houvesse uma ética monárquica. E uma ética socialista. Até uma ética fascista! Está a ver-se onde isto vai parar. Mas a ideia leva-nos a admitir que há várias espécies de ética e de corrupção.
Um dos problemas mais interessantes da corrupção é o de que os seus responsáveis nunca acham que são corruptos. Julgam que estão a comportar-se com direiteza e valores inatacáveis. Isto resulta de uma concepção própria de corrupção e de ética.
A ética aristocrática faz com que certas pessoas pensem honestamente que tudo lhes é devido, que estão acima de todos e de qualquer suspeita, que são charneiras da pátria e depositárias do destino nacional! Aqueles gestos e valores que muitos consideram imorais são, para as classes altas, antigas e modernas, direitos adquiridos. Corre-lhes no sangue uma espécie de moralidade pública indelével que nem sequer é preciso provar. A sua legitimidade é a do seu sangue.
A ética burguesa faz com que pessoas, geralmente empresários e gestores, acreditem cegamente no mercado, considerem que merecem uma recompensa pelo que fazem, pelo emprego que criam, pelas exportações que promovem e pelas obras que fazem para o Estado. Por isso, querem fazer o que lhes apetece. Julgam-se agentes e instrumentos de bem-estar da população. Zelam pelos direitos das empresas e acreditam em que tudo o que fazem é para criar riqueza. Por isso querem ser recompensados. O que é bom para eles é bom para o país. A sua legitimidade é a da sua obra.
A ética republicana é a que remete os valores para a cidadania, rejeita privilégios de nome, fortuna e condição, mas atribui méritos desmedidos ao contributo para a democracia partidária. Tudo o que for feito a favor dos partidos no poder local, nos governos e em respeito pelo eleitorado, faz parte dessa ética republicana. Que permite a corrupção do dia a dia, os empregos para os amigos, as comissões para os partidos, o financiamento público das campanhas eleitorais, as leis feitas por medida, os descontos e os favores… A sua legitimidade é a do seu eleitorado.
Finalmente, a ética revolucionária, que critica todas as anteriores, que estipula como valores supremos a classe trabalhadora e o papel do seu partido de vanguarda. Tudo o que for feito, incluindo roubo, ocupação, assalto, despedimento, saneamento e favores, a bem da classe e do partido, cabe na moral trabalhadora. Com uma condição: a de nunca ser individual! Terá sempre de ser colectivista, do partido, do sindicato… É essa a razão pela qual há tão poucos comunistas envolvidos em casos de corrupção: é o próprio partido que assegura as mais eficazes funções de polícia de costumes. Proventos individuais no movimento comunista, nunca! A sua legitimidade é a da luta de classes e das relações de força.

DN, 6 de Maio de 2018

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3 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Não me parece que «O mais provável é que o PS esteja a caminho do fim».
Para isso (e tendo em conta o tema deste texto, a corrupção), era preciso que houvesse uma censura pública do que é feito.
E isso não acontece, pelo menos em grande escala.
Além da apatia, há a sensação generalizada de que "São todos iguais", pelo que não será pelo voto que esse "fim" chegará.
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Eu vejo, também aqui neste micro-cosmos onde vivo, como as maiores monstruosidades são toleradas (ou mesmo aplaudidas) pelos partidários de quem as comete.
Estes apoiantes reagem pavlovianamente, com total espírito de seita, e amiúde em matilha.

6 de maio de 2018 às 11:36  
Blogger Ilha da lua said...

Esta análise do Prof. António Barreto diz tudo...
Quando a li, pensei, "uma voz que clama no deserto", mas logo a seguir , dei comigo a pensar, deserto? Não! O deserto é belo e a sua imensidão convida à reflexão...Veio-me, então à cabeça a palavra selva...claro, no sentido figurado...Questionei-me de imediato, se não estava a tornar-me uma irritante pessimista, uma bolorenta idealista... Mas, não! O Professor tem razão. Há várias espécies de corrupção e consequentemente várias éticas. E, como Professor diz os responsáveis pela corrupção nunca pensam que são corruptos...Talvez, porque a corrupção, se transmitiu de geração em geração, tornou-se atávica.
Quem não se lembra do tempo anterior á revolução, e, do sistema da cunha. Como se arranjava um emprego, como se obtinha com rapidez um documento nas repartições, como se contornava uma multa de trânsito, como se conseguia uma licença camarária, e,tantas outras coisas? Dava jeito conhecer alguém, que tinha um amigo num lugar de destaque, um director, um chefe ou um simples funcionário de uma qualquer repartição. Muitas vezes era só um favor, por favor, sem subornos materiais, quando muito, um presente pelo Natal...Nesse tempo, pensava que era assim, porque as pessoas não tinham voz, não tinham direitos, o poder estava na mão de terríveis e inacessíveis ditadores. Depois da revolução, pensei eu, tudo mudaria. Democracia, estado de direito, iguald ade de todos os cidadãos perante a lei. Mas, insidiosamente, a corrupção enraizara-se nos hábitos dos portugueses, Entusiasmados com os novos tempos, nem quase a pressentíamos. Mesmo, quando se tornou mais livre, menos submissa, mais descarada.Eh pá!1Vê lá se me desenrascas, isso! É para bem do partido! Anestesiados, assistimos aos "jobs for the boys", ao compadrio entre o poder económico e o poder político, à mentira grosseira...Ouvimos atónitos, o povo desculpar-se, quando nas eleições tinha que escolher. São todos iguais! Este rouba! Mas, pelo menos, fez qualquer coisa por nós!
Temos leis que penalizam a corrupção1 Temos leis que obrigam à transparência dos políticos, dos governantes! O que nos falta, então? Mudança de atitude, de mentalidade! E, para isso não há nenhuma lei! Só o tempo, e a educação para uma cidadania responsável!

6 de maio de 2018 às 21:39  
Blogger José Batista said...

Partilho das opiniões de Medina Ribeiro e Ilha da Lua. Portugal é como é e é assim há muito muito tempo...
Como fazer com que mude (para melhor)?

8 de maio de 2018 às 22:49  

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