Sem emenda - Sem recurso, nem recuo
Por António Barreto
Quando alguma coisa falha, procuramos
um recurso. Junto de alguém, pessoa ou instituição. Com frequência, pensamos
ter recuo. E tempo de espera e reflexão. É uma defesa, uma precaução. Melhor
ainda, uma cópia de segurança. O backup. A instituição de emergência. O
exército de reserva. A brigada de última instância. Quando a Terra treme,
invoca-se Deus. E faz-se o mesmo perante as tempestades. Até os ateus, que nem
sempre confiam nos pára-raios.
Quando há crise, olha-se para a
finança e a segurança social. Quando a nação está em perigo, espreita-se para
os países amigos. Quando o Estado corre riscos, conta-se com os militares.
Quando a ordem e a segurança ameaçam ruir, espera-se pela polícia. Quando as
elites falham, chama-se o povo. Quando os empresários fogem, recorre-se ao
Estado. Quando a saúde está periclitante, procura-se o médico. Quando a
corrupção reina, confia-se na justiça. O pior é quando a justiça tarda…
Há momentos na vida de uma nação em
que, de repente ou gradualmente, se tem a sensação de que o recuo é curto e de
que recurso é cada vez menor. Que tudo tem falhado. A justiça, o diálogo ou a
decência humana.
Numa área, especialmente, a falta
de recurso é assustadora. A falta de Justiça é aterradora. Os imediatos apelos
à Justiça privada são o anúncio do pavor. As tentações da justiça pelas
próprias mãos são sinais de desespero e de inferno à vista.
O pior da corrupção, privada ou
pública, partidária ou empresarial, é que cada vez menos há recuo. Ainda se pensa
em justiça, sobretudo com processos de inédita dimensão e inimaginável
gravidade. Mas quando chega a vez de a própria justiça falhar ou se sentar no
banco dos réus, então sente-se o frio nas costas, o arrepio do abismo: não há
recurso, nem recuo!
A corrupção é injusta e imoral. É
socialmente desigual e culturalmente repugnante. Eticamente condenável e
politicamente abjecta. Infelizmente, parece que a maior parte dos que condenam
a corrupção o fazem mais por inveja do que por convicção.
Estranhamente, a corrupção tem
quase sempre defensores ou pretextos. Vale para crescer a economia e criar
emprego. Serve para aumentar as exportações. Aceita-se para defender os
interesses dos munícipes, para apoiar as iniciativas locais e para satisfazer
as necessidades dos povos locais. É útil para democratizar a economia. Adopta-se
para defender a democracia e recompensar os que deram contribuições financeiras
para os partidos. Justifica-se para satisfazer grandes e antigas famílias com
história de serviço ao país e à Pátria. Admite-se para isentar, de impostos e
taxas, famílias, partidos, igrejas, sindicatos e associações. Utiliza-se para conceder
subsídios especiais de criatividade ou solidariedade. Acode qualquer pessoa que
se diga partidária das start ups tecnológicas e se declare favorecer causas
actuais, como as energias renováveis e as alfaces biológicas. Usa-se para
arranjar as parcerias público privadas. Desculpa-se para confortar a
insularidade e a interioridade.
Até ao dia da indignação. Até
chegar a altura do escândalo. Até ao momento em que a corrupção se torna
intolerável. Em Portugal, esse momento já chegou. Faça-se a lista completa dos
políticos, governantes, deputados, altos funcionários, magistrados, polícias,
empresários, gestores e outros intermediários, facilitadores e fura-vidas
envolvidos com a justiça e fica-se com um horrendo panorama de uma quermesse de
maus costumes. Marque-se, para cada um, o tempo de espera, o atraso do processo
e os procedimentos dilatórios e ter-se-á um quadro completo de ineficiência e
de injustiça.
É verdade que a democracia pode
sempre generalizar a corrupção. Numa palavra, democratizá-la. Mas também pode
ser a única maneira de a combater preservando as liberdades. As mãos limpas e a
ética justicialista acabaram sempre mal: não limparam a corrupção, nem
salvaguardaram as liberdades.
DN, 20 de Maio de 2018
Etiquetas: AMB
1 Comments:
Apesar,de todos os pesares...continuo a acreditar que só a democracia consegue combater a corrupção
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