Sem emenda - O Anjo Exterminador
Por António Barreto
As últimas histórias confirmam a
sensação, por tantos partilhada, de que o PS de José Sócrates foi responsável
pelo mais negro período de mau governo das últimas décadas. Antes dele, outros também
fizeram das suas e não foram poucas. Mas não andaremos longe da ideia de aquele
ter sido o zénite da corrupção em Portugal. Por isso, assistimos a uma
tentativa desesperada deste governo do PS de se distanciar do outro governo do
PS, mesmo sabendo que muitas pessoas pertenceram aos dois. Talvez até por isso
mesmo foram enormes os esforços. Primeiro, a hipocrisia da visita de
solidariedade, a acompanhar o expediente da separação entre justiça e política.
Depois, o silêncio culpado. A seguir, a indiferença. Finalmente, a lavagem de
mãos, a terminar na indignação encenada. Um melodrama em quatro actos.
Até 2015, durante as últimas quatro
décadas, três partidos exerceram poderes de governo: o PS, o PSD e o CDS. Não
são partidos corruptos. Dizer o contrário não faria sentido. E teria o efeito de
prejudicar o apuramento de responsabilidades. “São todos corruptos” é a melhor
maneira de esconder os verdadeiros. Mas, se o PS, o PSD e o CDS não são
partidos corruptos, a verdade é que acolheram corruptos e deixaram que alguma
corrupção (pelos vistos, muita…) se instalasse, a favor do partido e em benefício
de alguns dirigentes.
Da energia às telecomunicações,
das PPP aos créditos públicos para especulação privada, dos submarinos aos
helicópteros, são conhecidos muitos exemplos que deram luvas, comissões,
descontos, pagamentos directos, pensões absurdas e transferências de dinheiro
vivo… A que se acrescentam estranhas operações em bolsa, licenças de
construção, investimentos turísticos, negócios imobiliários, regimes fiscais
privilegiados, adjudicações duvidosas, exportações mancomunadas e ajustes
directos maquilhados.
Apesar do ruído gerado nos
últimos dias, não parece que o PS tenha uma robusta tradição de luta contra a
corrupção. Alguns dos seus dirigentes, por interesse pessoal ou partidário,
aproveitaram-se do clima de corrupção e favores ou foram protagonistas
criativos. Mas não se pode dizer que o único partido da esquerda democrática, o
PS, tenha um comportamento diferente dos dois partidos da direita democrática,
CDS e PSD, que também acolheram e conviveram com dirigentes intocáveis,
interesses inconfessáveis e procedimentos menos lícitos.
O PS não é um partido corrupto,
embora não haja dúvidas de que há lá gente corrupta. Mas, no PS, também há
gente honesta. Tal como no PSD, no CDS e certamente nos partidos mais da
esquerda, BE e PCP. Como também há deputados honestos na Assembleia da
República. Ou entre os presidentes de câmara e vereadores. É injusto e errado
afirmar que são todos corruptos. Mas já ninguém duvida de que há sinais indeléveis
de actividades ilícitas na Administração Pública, na política partidária, nos
governos e nas empresas privadas próximas do Estado.
Todavia, apesar de parcialmente
verdadeira, esta ideia de que a República está corrompida corre o risco de
dissolver cada caso e cada responsável. Todas as tentativas feitas no sentido
de agregar processos, juntar responsáveis, conglomerar crimes, acumular
ministros e governos num esforço de criar mega processos destinam-se sobretudo
a uma coisa: fazer com que seja impossível terminar um processo, julgar um
suspeito e condenar um arguido. Em poucas palavras, apurar responsabilidades.
Quando se diz “Sócrates, sim, mas há os outros”, está-se a tentar diluir e
desculpar. Sob a aparência de severidade, a estratégia da fusão dos casos e dos
processos mais não é do que uma tentativa de impedir que se chegue ao fim de
qualquer caso ou processo. E de dizer à população “olhem que são todos
corruptos”, o que, dito por outras palavras, quer dizer “Não há corruptos”.
Já se sabe: quanto mais mega for
o processo, menos hipótese haverá de chegar a um resultado. Quanto menos
concreta for uma Comissão de Inquérito, maiores serão as probabilidades de não
se chegar a sítio nenhum. Quem defender, em vez de vários, um só processo, está
a tentar “afogar o peixe”.
Na corrupção, a democracia
portuguesa encontrou a sua Némesis. Pode ser o seu Anjo Exterminador.
DN, 13 de
Maio de 2018
Etiquetas: AMB
4 Comments:
Análise algo benévola. O PS, o PSD e o CDS são partidos que acolheram muitos corruptos e não só acolheram muitos corruptos como esses corruptos não ressarciram nem vão ressarcir nunca a comunidade e o país que roubaram (é melhor sermos claros), como nunca serão punidos criminalmente por isso. E nenhum partido nem nenhum grupo parlamentar de nenhum partido tem uma tradição robusta de luta contra a corrupção, aliás nenhum tem qualquer tradição (apreciável) nessa luta.
Este comentário foi removido pelo autor.
Pandora abriu a sua caixa...De todos os malefícios que libertou,que tenha libertado também a unica virtude que lá se encontrava-a Esperança-Esperança que me permite acreditar que é possível combater a corrupção,e,que esta,não será a Némesis da democracia
Subscrevo, José Batista. Diz exatamente o que penso e di-lo muito bem.
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