23.6.18

Os pais “helicópteros”

Por Antunes Ferreira
Já tinha ouvido chamar aos pais muitos qualificativos mas esta é a primeira vez que vejo que também podem ser “helicópteros”. Leram bem – helicópteros, aquelas aeronaves que se sustentam nos ares graças a duas hélices uma estabilizadora e a outra propulsora, aliás desnecessária se torna explicar o significado da palavra, mas o que parece importante é, sim, tentar explicar a expressão “pais helicópteros”…
Ela pode ser encontrada num artigo da jornalista Carmen Garcia do El País aqui da nossa vizinha Espanha. Para melhor elucidação transcrevo a abertura do seu texto: 
“Meu amor, tome cuidado para não cair.” “Filhinho, coma o salame devagar para não se engasgar.” Frases desse tipo, em princípio inocentes, podem ser prejudiciais para as crianças da casa se usadas com frequência excessiva. Trata-se de uma atitude coloquialmente conhecida como paternidade-helicóptero, ou seja, aqueles pais e mães que sempre estão de olho nos seus filhos. Esse comportamento super protector pode ser muito nocivo para eles, segundo um novo estudo elaborado pela Universidade de Minnesota e publicado na revista “Development Psychology”.
Para os autores do estudo, um pai-helicóptero é aquele que está a controlar continuamente o seu filho, que lhe diz como deve brincar, como guardar as suas coisas, como agir, entre outras determinações. “Diante desse comportamento, e segundo os nossos resultados, as crianças reagem de maneira diferente. Algumas tornam-se desafiadoras com relação aos pais, outras simplesmente apáticas ou mostram-se muito frustradas.
Sou do tempo em que isto era impensável mas as coisas mudaram e hoje em dia no que toca à aprendizagem os métodos são bem diferentes. Ainda dei os primeiros passos na leitura pela Cartilha Maternal do João de Deus e também dos reflexos condicionados do Pavlov que partindo da experiência famosa que metia um cão, uma campainha e um naco de carne influenciou os métodos do ensino.
Até agora sempre pensei que havia pais bons, pais maus, pais presentes, pais ausentes, pais a quem se dia chamar pais e até pais incógnitos, infâmia que era permitida nos registos de nascimento e que felizmente foi riscada dos assentos das conservatórias.
É vulgar ouvir-se falar em mães galinhas as que também são super protectoras, quais galináceas que controlam os seus pintos e não os deixam pôr as patas em ramo verde e inseguro. 
Agora chegou a vez aos pais. Pensei que talvez pudessem ser classificados com pais galos. Mas, pelos vistos não. Os galos não migam prego nem estopa no cuidar dos pintos, usando uma palavra rasca querem que eles se lixem. Nem com um voo picado de um gavião esfomeado se preocupam. Nem mesmo sendo pais helicópteros que afinal são um fiasco: não voam.”.
Pais superprotetores, crianças que não sabem lidar com suas emoções. Esta é a premissa. E tem suas consequências.Costumam ser meninos e meninas que não controlam suas alterações de humor, suas emoções e seus sentimentos, e são mais fracos na hora de enfrentar os desafios de cada etapa do crescimento. “Isto é ruim. As crianças precisam de cuidadores que lhes sirvam de guia na hora de entender o que acontece com elas”, acrescentam os especialistas.
Segundo esses pesquisadores, os pais devem:
- Ser sensíveis às necessidades de seus filhos, reconhecendo quais são suas capacidades na hora de encarar diferentes situações.
- Orientar a criança, sem interferir nem solucionar o problema, para que ela consiga o objetivo a que se propõe, orientando-lhe que pode se virar sozinha, o que a levará a um melhor desenvolvimento da sua saúde mental e física e a melhores relações sociais e resultados escolares.
- Não limitar as oportunidades das crianças.
Ajudar seus filhos a controlarem suas emoções, conversando com eles sobre como entender seus sentimentos e explicando-lhes que os comportamentos podem resultar de certas emoções, assim como as consequências que as diferentes reações podem acarretar.
- Também podem ajudar seus filhos a identificar estratégias de confrontação positivas, como respirar fundo, ouvir música, colorir ou se retirar para um lugar tranquilo.
“Nossas conclusões salientam a importância de educar os pais, frequentemente bem intencionados, sobre o apoio à autonomia de seus filhos perante os desafios emocionais”, prosseguem os autores. “Também podem ser um bom exemplo para seus filhos. Por exemplo, eles podem usar estratégias de confrontação positivas, na hora de lutar com suas próprias emoções e comportamentos quando estão incomodados ou irritados”, concluem.
Para chegar a estes resultados, os pesquisadores analisaram durante oito anos 422 meninos e meninas de diferentes etnias e condições econômicas, fazendo avaliações em três ocasiões: aos 2, 5 e 10 anos de idade. Os dados surgiram da análise das interações entre pais e filhos, de relatórios de seus professores e de sua própria experiência narrada aos 10 anos. O teste consistia em que progenitores e crianças brincassem da mesma maneira como em casa. Segundo seus resultados, o controle excessivo na criação dos filhos quando a criançatinha dois anos estava associado a uma pior regulação emocional e de comportamento aos cinco. Ao contrário, quanto maior era a regulação emocional de uma criança aos cinco anos, menos provável era que tivesse problemas emocionais e maior a probabilidade de que tivesse melhores habilidades sociais e fosse mais produtivo na escola aos 10. Da mesma maneira, aos 10, as crianças com um melhor controle dos impulsos tinham menos probabilidades de sofrerem problemas emocionais e sociais e mais probabilidades de irem bem na escola.
Essas conclusões não são uma novidade. Pesquisas anteriores já apontavam as consequências negativas da superproteção das crianças. Uma delas, de 2016, concluía que “as crianças com pais intrusos e controladores, aqueles que pressionam muito os filhos a obterem boas notas, podem ser mais propensas a se tornarem altamente autocríticas, ansiosas e deprimidas”. E outra de 2017mostrava também que a paternidade-helicóptero era mais frequente com as meninas, “e que este comportamento podia ser prejudicial para sua capacidade de desenvolver mecanismos de confrontação efetivos para resolver conflitos e lidar com os fatores de estresse da vida cotidiana”.
“Efetivamente, os principais efeitos da superproteção são que não deixamos que os menores aprendam por si mesmos a resolver os problemas do seu dia a dia. Ao não desenvolverem tais habilidades, normalmente eles têm mais propensão a serem mais ansiosos e a terem mais dificuldades de regulação emocional”, explica por email o psicólogo espanhol Jesús Matos, mestre em Psicologia Clínica e da Saúde. “Se em lugar de fomentar a autonomia optamos pela superproteção”, prossegue, “estamos criando crianças muito dependentes, que irão sofrer mais na hora de enfrentar as dificuldades inerentes à vida, por não terem ninguém que as resolva.”
As chaves para a educação são o apoio e os limites, não a superproteção. “Tudo bem ajudarmos nossos filhos a resolverem certos problemas, mas sempre tentando envolvê-los na tarefa. Para que entendam que há uma relação entre esforço e recompensa. Desta maneira, pouco a pouco fomentamos sua autonomia. Obviamente, sempre é preciso levar em conta os perigos potenciais que podem aparecer, e se manter precavido contra eles. Uma boa maneira de proteger com controle é falar com outros pais e professores de crianças da mesma idade para estabelecer limites aproximados do que cada criança tem condições de enfrentar. Não podemos pretender que nossos filhos de quatro anos encarem problemas como os de 12”, argumenta o especialista.
Além de Matos são muitos os especialistas que enfatizam a importância fundamental de dar autonomia às crianças, permitindo que desenvolvam suas emoções e comportamentos de forma adequada. Há alguns meses, Eva Millet, autora do livro Hiperniños ¿Hijos Perfectos o Hipohijos? (“hipercrianças: filhos perfeitos ou hipofilhos?”) dizia a este jornal que“as hipercrianças são produto de uma hiperpaternidade na hora de criar e educar nossos pequenos, uma criação que lhes dá tudo, as protege de tudo e lhes indica como devem ser”. E enfatizava que, para ela, “a criação na atualidade é monstruosamente intensiva. A superproteção infantil produz crianças-altar, o que a transforma em hipocrianças, meninos e meninas que não sabem se defender, que não são autônomos, porque já recebem tudo pronto. Recebem tudo resolvido.”
BENEFÍCIOS DA AUTONOMIA INFANTIL
JESÚS MATOS, PSICÓLOGO E ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA CLÍNICA E DA SAÚDE
Os principais benefícios são o aumento de autoestima das crianças, que assim se percebem como capazes de enfrentar situações. Isto por sua vez ajuda o menor a administrar com eficácia emoções como a ansiedade, o medo e a frustração. Porque cada vez vai adquirindo mais experiência em situações difíceis (sempre procurando que sejam adequadas à sua idade).

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