Vamos pô-los a ler
Por Joaquim Letria
A imagem tem a responsabilidade de contribuir decisivamente para o declínio do interesse pela palavra, quer falada, quer escrita e lida. Neste mesmo mundo novo, instantâneo e visual, desenvolver a capacidade e o prazer da leitura e da conversa deveria ser uma imposição urgente.
Mitologias e histórias populares sobreviveram a muitas gerações e enriqueceram os séculos e até há bem pouco tempo a Bíblia era uma colorida fonte de experiência narrativa – Caim e Abel são personagens de um romance moderno.
A maioria das crianças de hoje apoia-se no filme, no vídeo, no tablet, no ipod e no iphone. A sua oferta pode ser inofensiva, mas transforma os receptores em sujeitos passivos. Se o tempo que hoje os jovens gastam frente a écrans fosse passado a ler, a população estaria melhor educada, mesmo se para tal se servisse dum kindle.
Ver uma história e assistir a um enredo, por muito que este ajuda a pensar, é um passatempo passivo. Ver uma história dramatizada é muito mais fácil do que ler e indo inventando e descobrindo as personagens e a trama. A questão é que isto deixa para trás cada vez mais crianças que lêem mal e são incapazes de escrever correctamente.
Ler é essencial. Assim deve ser apresentada essa necessidade. Todos precisamos de histórias, de as ouvir, de as ler, de as desenvolver como faziam os antigos desde as cavernas do Paleolítico.
Que poderiam os pais e os professores fazer? Talvez criar um período diário de leitura obrigatória em silêncio, com a atenção presa e a concentração garantida, do qual se pudesse tirar prazer como se tira dos emails e sms.
Em tempos pensei que boas versões filmadas de livros apreciáveis estimulariam o desejo de ler e o prazer da leitura. Hoje, tenho dúvidas.
A ficção audiovisualizada está para a imaginação como os alimentos sem calorias estão para o estômago – substitui o apetite por verdadeiros alimentos. Mas seria muito bom que as crianças de hoje tivessem uma boa e racional alimentação de literatura e fizessem uma dieta bem equilibrada de leitura.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
1 Comments:
Certeiro, como não vi mais ninguém escrever sobre este assunto.
Em momentos de maior desânimo, face a alunos do ensino secundário que praticamente não conseguem ler nem escrever, com livros a abarrotar de imagens e esquemas espalhafatosos, quase sem texto, e a tendência para se insistir em audiovisuais como metodologias de efeito mágico, fui levado a afirmar, perante alunos desses, que mais vale uma boa frase que mil imagens. Claro que me senti um extra-terrestre. Mas é o que penso, no contexto actual.
Enviar um comentário
<< Home