14.10.18

LAGOS E A LÓGICA ECOLÓGICA

«Controla o lixo, e controlarás a cidade»
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Conta-se que, nos anos 60 do século passado, um jornalista norte-americano se disfarçou de funcionário da limpeza urbana conseguindo, assim, apoderar-se do conteúdo do caixote do lixo do Presidente da República. Seguidamente, e do muito que ficou a saber acerca dos hábitos de Sua Exa., deu destaque ao facto de ele deitar fora os jornais ainda com as respectivas cintas — concluindo, com isso, que o homem mais poderoso do mundo não se preocupava muito em estar informado acerca do que nele se passava, e muito menos com a opinião pública ou publicada. Talvez essa conclusão fosse demagógica, mas a verdade é que o lixo diz quase tudo acerca de quem o produz; e, no que toca às urbes, até patenteia, e sem margem para dúvidas, o grau civilizacional das suas populações e de quem as dirige.
De facto, numa sociedade organizada, os cidadãos delegam nos poderes públicos a gestão do lixo (que, sem controlo, é um verdadeiro flagelo — veja-se Nápoles), e pagam-lhes para que o façam. Compete, pois, a estes, providenciar locais de deposição adequados, e àqueles respeitá-los; mas também neste último caso são os poderes públicos que têm de ter, ao seu serviço, fiscais competentes e em número suficiente, com funções dissuasoras e até repressivas, se necessário for. Finalmente, é ainda às autarquias que compete providenciar a remoção atempada dos resíduos, pelo que, tendo elas as funções decisivas em todo o ciclo que nos interessa, não podem eximir-se às suas responsabilidades, nomeadamente quando algo corre mal.
Dito isto, o que vemos em Lagos, especialmente nas chamadas “Ilhas ecológicas”, e nos últimos anos? Constatamos que muitos dos seus ecopontos estão, frequentemente, a abarrotar durante dias seguidos, tendo por fora o que devia estar dentro... mas já lá não cabe! Sendo assim, que moralidade tem, quem quer que seja, para nos exigir aquilo que, mesmo querendo, não podemos fazer? E que lógica tem disponibilizarem-nos as condições básicas para reciclagem, mas depois não darem seguimento aos esforços que fazemos para corresponder a esse imperativo cívico do nosso século? 
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O tema daria um livro, profusamente ilustrado com penosas imagens de Lagos (e também de lugares tão improváveis como o coração de Lisboa e o Parque Natural Sintra-Cascais), mas não é necessário, pois basta andar pelas nossas ruas para se esbarrar com a triste realidade que está diante dos olhos de QUEM QUER VER e (por vezes literalmente) debaixo dos pés, mesmo de quem não quer. Claro que não faltam os que desvalorizam o problema,nem os que apontam o dedo para o alvo errado — destacando-se os que recitam o mantra «As pessoas é que são porcas!». A estes, há que dizer que sim, que há pessoas porcas, e até muito porcas; só que isso qualquer criancinha sabe, pois é uma verdade de todos os tempos e de todas as latitudes. Mas nós também não pagamos à polícia para nos dizer que há criminosos, pois não?
Infelizmente, ainda há quem não entenda que tudo isto é muito mais grave do que uma fuga de água num jardim, pois configura uma tripla AGRESSÃO: um perigo real para a SAÚDE pública, a delapidação do nosso DINHEIRO e a degradação da IMAGEM da Cidade — com pesadas consequências para o TURISMO e, portanto, para a ECONOMIA local, que dele depende.
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Claro que seria simpático terminar este texto com palavras de optimismo mas, como tudo isto se arrasta há anos (e tem piorando nos últimos tempos), não consigo. Todavia, se alguém tiver por aí algumas disponíveis, mande-mas, que serão bem-vindas!
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Carlos Medina Ribeiro - "Correio de Lagos", Setembro de 2018

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