7.3.19

A esquerda e a ética

Por C. Barroco Esperança

Não tenho problemas de identidade. Sei de que lado da barricada me coloco. Sou de esquerda por formação e sensibilidade, por memória do passado e esperança no futuro, por desejo de igualdade, sem interesses pessoais nem vínculos partidários.

Surpreende-me uma esquerda que considere justas e atendíveis todas as reivindicações e não perceba que o que alguns arrecadam a mais é igual ao que outros recebem a menos. A cada momento me ocorre, sem o subscrever em absoluto, o que pensava Proudhon da propriedade.
Quando se fala de propinas e da sua eliminação no ensino público universitário, eu sou contra por ser de esquerda. O ensino superior, não obrigatório, continua destinado aos mais afortunados e não parece justo que sejam todos a pagar para os que mais podem. As bolsas deviam servir para os que, sendo alunos de mérito, comprovadamente não pudessem pagar os estudos superiores.
Há cursos cuja formação raros poderiam pagar. Dos que conheço, a medicina, algumas engenharias e a pilotagem aérea são alguns desses. Cabe ao Estado pagar essa formação, mas será uma atitude de esquerda não exigir o ressarcimento do investimento estatal (de todos) após a formação?
Portugal, sendo um país rico a nível global, é pobre perante a União Europeia, e duvido de que muitos, de esquerda, aceitassem a perda do seu poder de compra a favor dos países do terceiro mundo, embora se julguem com direito ao nível de vida dos mais ricos. Paradoxalmente, aceitam que os mais qualificados, com cursos mais caros, pagos por todos, emigrem para países mais ricos, que pagam melhor, transferindo os recursos do país que os formou, sem qualquer ressarcimento.
Tal como as árvores não crescem até ao céu, os recursos do Planeta não são inesgotáveis nem o crescimento económico imparável. Não podemos considerar-nos de esquerda e aceitar o crescente fosso entre ricos e pobres, no próprio país e a nível planetário.
Não considero de esquerda quem despreze as preocupações ambientais ou ignore a falta crescente de água, oxigénio, solos aráveis, ozono, biodiversidade, zonas habitáveis, e a sustentabilidade da vida na Terra, para gerações vindouras.
Há quem viva cada instante como se fosse o último, alheio à herança que deixa. Prefiro os que vivem todos os dias como se a sua vida fosse perpétua, a pensar nos recursos de que viessem a precisar nos próximos séculos.
Não me preocupo com o quadrante ideológico onde me classifiquem. Só há um Planeta, para todos.

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3 Comments:

Blogger José Batista said...

Partilho das preocupações de CBE. Concordo com os seus princípios e preocupo-me com as suas causas.
Julgo perceber a justeza da sua opção pela esquerda. Contudo, daqui por umas décadas, admito que os conceitos passados e actuais de esquerda e direita não passem de meras etiquetas de significado mutável num dado intervalo de tempo histórico. Digo isto porque há esquerdistas com quem não tenho nada em comum e o mesmo se passa com indivíduos de direita. Já para não falar dos extremos que (me parece que) se tocam e confundem... E sofro do «pecado» de apreciar muito pessoas de quadrantes políticos diversos (e opostos), por motivos comuns ou divergentes (entre eles e entre mim e eles). Como já frequento este espaço há anos, em sinal de apreço pelos colunistas, permiti-me estas considerações pessoais.

7 de março de 2019 às 22:38  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Caro JB

Eu também leio (e oiço) o que escrevem (e dizem) pessoas muito variadas, mas para a malta dos "extremos" já não tenho pachorra, até porque já sei o que vão dizer ainda antes de abrirem a boca — quer seja acerca da Venezuela ou de outra coisa qualquer.

9 de março de 2019 às 16:31  
Blogger Ilha da lua said...

Gostei imenso desta crónica do CBE O mundo está a mudar,embora não se consiga perceber muito bem em que direcção Eu iria mais longe do que o CBE No âmbito da democracia,independentemente da ideologia de direita ou de esquerda,eu não considero democrata quem não faça da liberdade e da solidariedade a sua bandeira E,a liberdade e a solidariedade estão bem expressas nesta crónica Tem toda a razão Só há um Planeta,para todos

9 de março de 2019 às 23:44  

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