8.5.20

HERÓIS, APLAUSOS E RECONHECIMENTO

Por Joaquim Letria
Desde que começámos a ver-nos aflitos e a morrer como tordos passámos a chamar heróis aos profissionais de saúde.
Mas eu acho que eles são simplesmente médicos, enfermeiras, técnicos, auxiliares, bombeiros, maqueiros e administrativos a fazerem, com maior sacrifício e grande competência, o que faziam até aqui, mas agora em condições mais dramáticas, difíceis e perigosas, com os mesmos salários vergonhosos e vendo continuar a ser-lhes recusada a dignidade que as suas profissões merecem, mesmo quando nos salvam a vida colocando em risco a sua própria saúde e existência.
Entre os que vão para as janelas bater-lhes palmas e tocar cornetas estão, possivelmente, muitos dos que ainda há pouco os insultavam, se manifestavam contra o pedido de aumentos, a exigência de condições de trabalho e o merecimento do reconhecimento de carreiras que continuam por existir de forma a lhes prestar justiça ao estudo, aos estágios, ao estudo permanente e à sensibilidade requeridas pela dureza das suas profissões.
Claro que não vou ao ponto de pensar que entre os que hoje os aplaudem também estão aqueles que até batiam nos médicos e enfermeiras, nem que foi a ministra da saúde a mandar não lhes aumentar 0,3% os salários, ao contrário de todos os restantes funcionários públicos, nem isto aconteceu por maior falta de consideração…
As mesmas enfermeiras e enfermeiros que hoje aplaudimos ainda há pouco eram humilhados na sua dignidade e até inspecções financeiras lhes foram montadas para criarem suspeitas infundadas sobre a origem dos fundos angariados por solidariedade para se manterem numa greve que, ao contrário do que os políticos diziam, teve a preocupação de não pôr em risco vidas humanas.
Milhares de enfermeiras, enfermeiros, médicos, técnicos de diagnóstico e investigadores de ciências biomédicas ajudam hoje a sustentar serviços nacionais de saúde estrangeiros, como o britânico e o francês, enquanto muitos outros estão espalhados pelas Américas do Norte e do Sul, pelo Oriente e por África, para onde tiveram de ir trabalhar quando o seu país não lhes deu emprego ou, muito simplesmente, os políticos tiveram o descaramento de lhes dizer para emigrarem. 
Acho bem que lhes chamemos heróis, que os reconheçamos e os animemos aplaudindo o seu trabalho, porque eles merecem que os tratemos assim. Mas talvez eles também gostassem que, juntamente com os aplausos, nos juntássemos todos a eles para exigirmos que lhes seja conferida a qualificação de profissão de risco, a qual também os médicos há décadas pedem, sem que nenhum dos burocratas dos que até hoje nos tem governado tenha tido a decência de lhes conceder.
Publicado no Minho Digital

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