TRATAM TODOS MAL E DEPOIS CHAMAM-LHES HERÓIS
Por Joaquim Letria
Nunca pensei que a minha última crónica neste jornal acerca de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de saúde pudesse despertar as reacções contraditórias que despertou. Há anos que defendo os profissionais de saúde. Por isso, se me dão licença, vou continuar. E se outros argumentos não tivesse, tenho um indesmentível.
Por mais duma vez salvaram-me a vida em hospitais públicos, sem saberem quem eu era nem eu saber em que mãos me metiam, quem me curava, quem de madrugada vinha ver como eu estava e ajudar-me, fosse em quartos, fosse em enfermaria. E isto não se paga, mas reconhece-se.
Nunca é demais recordar o número de anos que um médico ou um enfermeiro especialista têm de estudar para terem uma formação idónea e de confiança. Ninguém ignora os anos necessários até alcançarem uma experiência prática suficiente em qualquer das especialidades. Tudo isto deixou de ser reconhecido há décadas em grande parte como consequência do bloqueio político da progressão das carreiras, muito em particular no caso dos profissionais hospitalares.
A verdade é que a formação e experiência de todos eles é cada vez mais completa e melhor, na proporção inversa do reconhecimento das profissões de saúde que são premiadas com salários cada vez piores, assim como os benefícios secundários lhes são negados ou progressivamente reduzidos.
Curiosamente, apesar deste desgaste injusto que acompanha a dureza dos horários, das condições de trabalho e das situações clínicas, não encontramos os profissionais de saúde desmotivados ao ponto em que deviam estar, sabendo também eles que nem os sindicatos lhes servem para grande coisa. No fundo, são os doentes que dão sentido à sua vida e preenchem o seu dia a dia, ao mesmo tempo que os expõem às injustiças de que são vítimas.
E se se investiga a origem dos fundos de solidariedade duma greve, como vergonhosamente aconteceu com os enfermeiros, saiba-se que também os médicos são fiscalizados ao enriquecerem a sua formação, cada vez mais complexa e dispendiosa. Eles têm de prestar contas por cada uma das acções de formação, suportadas quer pela indústria farmacêutica, quer pelos produtores de novos dispositivos médicos, e para as quais nem o Estado nem as estruturas hospitalares contribuem com um único euro.
No fundo, nestes últimos 20 anos, não houve a menor vontade política de dignificar estes funcionários do Estado, verdadeira alma do Serviço Nacional de Saúde, nem eles próprios lutaram o suficiente devido à sua real preocupação em não descuidar os doentes, apesar das condições verdadeiramente penosas que lhes são impostas.
E agora, mesmo continuando a recusar-lhes o reconhecimento de terem uma profissão de risco, chamam-lhes heróis…
Publicado no Minho Digital
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